Recentemente, o humor do famoso comediante americano Robin Williams ganhou destaque na imprensa brasileira. Seja por ser um famoso citando o país, seja pela crítica impiedosa à igualmente famosa corrupção brasileira, a piada rapidamente chegou a milhões de brasileiros como algo lamentável dentro da incrível criatividade e imaginação do americano.
Como convidado no programa de entrevistas do apresentador David Letterman, Robin Williams disse ao mencionar Oprah Winfrey, sua amiga: “Espero que ela (Oprah) não esteja chateada sobre perder as Olimpíadas, sabe? Chicago enviou Oprah e Michelle. O Brasil mandou 50 strippers e meio quilo para cheirar. Não foi realmente justo, sabe?”
Será essa piada tão forte assim? É melhor que o Brasil acredite que, de fato, seria impossível que a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 dependa unicamente da qualidade de nossas 50 “strippers” e de nosso quilo de cocaína da boa. Eu espero sinceramente que o governo brasileiro não tenha chegado a este nível de corrupção, apesar de acreditar mais na incorruptibilidade da comissão que elegeu o Rio como sede das Olimpíadas de 2016, comissão que mal conheço, do que na seriedade de nosso governo, cuja política já me revolta conhecer superficialmente.
Deixo a política para os analistas, e lanço a debate o que é humor atualmente. Estamos utilizando conscientemente o humor? Não faz muito tempo que, na Inglaterra, um chargista revoltou a comunidade islâmica mundial com uma imagem do profeta Maomé, que além de afrontosa e blasfêmica por si mesma também desfigurava as vestimentas religiosas dos muçulmanos. Isto é humor moderno com qualidade, ou seria a banalização do humor em detrimento de uma estratégia comercial simplesmente? Ou seria talvez o prazer sádico e doente de ser publicamente herético?
Pesquiso sobre Comédia há muitos anos, e desde pequeno demonstro grande interesse pelo humor e por sua criação. E estou preocupado com o que tenho visto. De modo algum eu repreendo a criatividade do humorista Robin Williams. Sua crítica é contemporânea e muito corajosa, e demonstra ser de um profissional atualizado e bem informado sobre o que inclusive ultrapassa as fronteiras de seu país e cultura.
A questão é perceber se, neste mundo cada vez mais insanamente competitivo, o humor está realmente evoluindo, nesse atropelo de valores éticos, respeito e dignidade. Robin Williams traduz em uma piada a tendência que também os nossos humoristas possuem aqui, de criticar, escrachar, ridicularizar e até humilhar pessoas, comunidades, classes sociais, etnias, povos e culturas. Tudo em nome da fama. Ele é muito competente em traduzir o humor atual, que é veloz, afiado e sádico, mas será este humor saudável como é rentável?
Não há dúvidas de que ele rendeu ao humorista americano um imenso destaque na imprensa internacional. Bravo! Chocar é rentável, dá publicidade! Robin Williams sabe disso. Além do mais, a crítica foi extremamente específica e inteligente. E assim como ele, a maioria de nossos humoristas também produz críticas imaginativas em alguns poucos segundos, automaticamente, talvez até sem muita reflexão. É uma piadinha atrás da outra, o público ri e esquece em outros poucos segundos.
O que receio é, depois de tantos anos estudando a Comédia, assistir à criatividade e à criação do humor dando lugar hoje a um período de deserto criativo, no qual o mundo inteiro está cada vez mais mergulhado, e no qual o humor é puramente comercial, beirando o clichê.
O que quero dizer com deserto criativo é que, nesta produção descartável e industrial de Comédia, a crítica não constrói nada novo, mas ao contrário, destrói tudo o que encontra pela frente. No lugar, nada fica, e mesmo a fama passa com a moda. Em crônicas pessimistas, espetáculos de stand-up e improvisação (tão em voga no nosso país) e tantas paródias que mal conseguimos digerir, personagens rabugentos, insatisfeitos e preconceituosos abusam do olhar negativo pessoal para depreciar os valores sociais formadores do cidadão, em adaptações comerciais de histórias clássicas em todos os âmbitos da Arte, bem como no reforço do racismo entre outros preconceitos, da injustiça social e da miséria humana.
Será que hoje as crianças que vêem a Chapeuzinho Vermelho em 3D alguma vez leram a versão original? Será que lêem livros de papel, ou acessam digitalmente um resumo com vídeo-clip ilustrativo, postado anonimamente?
Isto tudo, infelizmente, está se consolidando no humor contemporâneo, e vejo com tristeza no Brasil o Circo, no esforço de sobreviver sem apoio, absorvendo e moldando-se a esta influência e tendência mundiais. O Circo, para mim, é um símbolo da resistência artística, como, em primeiro lugar, organismo de tradição histórica democrática, abraçador de todas as culturas e diferenças sociais na produção de uma Arte verdadeiramente popular, ou seja, PARA o povo, e não contra ele. Favoreceu isso a sua natureza nômade, com certeza, unindo povos, raças, culturas e talentos sob uma mesma lona, dentro de uma única família.
Na falta de opções, o povo hoje está aprendendo a relacionar crítica a humor, e infelizmente, tornando-se tão pessimista quanto os criadores desse tipo destrutivo de Comédia, refletido na piada de Robin Williams. A auto-estima popular está cada vez mais baixa, e como é muito eficiente na propaganda o recurso do humor, eis em pouquíssimo tempo uma visão particular tornar-se senso comum global. O povo é atacado por um humor depreciativo e contundente constante e diretamente, e acostumou-se a entender essas críticas como banais. Piadas de pobre, preto, prostituta, passam incólumes por todas as classes sociais, ferindo direitos e reforçando preconceitos.
Com todo esse pessimismo na mídia, é lógico se perguntar: pra que salvar o planeta? Pra que lutar por justiça ou por um futuro melhor? Enfim, pra que ter crianças, senão para ganhar o bolsa-família, nossa humilhação máxima como famílias incapazes de se tornar auto-suficientes? O humor contemporâneo reflete uma tendência perigosa, na qual a graça é destruir, porque a vida é ruim mesmo e o melhor que podemos fazer é aceitar o que está aí e rir de nós mesmos, de nosso imenso ridículo. O melhor meio de se ignorar um problema é rir-se dele. A piada retira a seriedade da denúncia, e transforma o público em piada do comediante que pagaram para assistir.
Também tenho percebido que a tendência atual do humor contemporâneo é a desinfantilização da sociedade. Com um humor tão adulto e concreto, estamos vendo crianças crescendo mais rápido, e a fantasia adulta tomando conta da formação das próximas gerações. E então, minha preocupação novamente com o Circo, resistência artística que, em segundo lugar, exalta historicamente a fantasia e o universo da criança. Hoje, também o Circo procura adequar-se ao crescimento acelerado das crianças modernas em adultos consumistas, e não se encontra mais o palhaço lúdico, mas sim o adulto que considera a criança como um micro-adulto, criado para divertir os maiores com suas bobagens.
É triste ver um Circo com apenas um palhaço, um triste palhaço, que deixa as gags clássicas para ser mais um locutor de stand-up, chamador de números, e não raramente apitador profissional, para poupá-lo de textos mais criativos. Quando o Circo tem um pouco mais de recursos, não há dúvidas de que ele se espelha no modelo do Cirque du Soleil, o que também lamento por entender que, no Soleil, a questão comercial sobrepuja talentos e individualidades em nome de uma marca mundialmente conhecida e prestigiada.
Entendo também que, na produção do Soleil, dita na mídia como “novo fazer circense”, a grandiosidade e perfeição do show circense estão acima da Arte Popular que constituiu historicamente o Circo. Considero triste esta tendência desses gigantescos shows circenses, nos quais o Circo é apenas chamariz comercial, detalhe, ornamento, de uma grande venda milionária cheia de efeitos especiais. Enche os olhos dos artistas, mas acaba com a originalidade de todos aqueles que acreditam enriquecer vestindo a máscara Soleil e buscando uma perfeição sobre-humana.
Defendo a valorização do artista-criador criativo e original, que busca na sua expressão artística a satisfação plena do público. Defendo a valorização do público, que paga para ver um artista engraçado e seu trabalho cômico, e não paga para ser humilhado e transformar-se em cômico para o alívio do restante da platéia. Defendo o Circo Popular e Tradicional, que sempre soube que a Comédia deve ser criativa, construtiva e prazerosa, que o artista deve ser valorizado, que o público deve se divertir e ser respeitado, e que a criança é o maior, senão o único, tesouro que a Humanidade conseguiu produzir neste planeta. O que defendo são desafios imensos, dentro deste mercado consumista, no qual humor, Circo, são apenas recursos de vendas.
Em suma, eu defendo um fazer rir que seja sustentável, um humor que não termine como a moda, nem seja descartável pelo consumo insaciável, mas que possa construir na criança e no adulto um sentimento realmente BOM diante do prazer que é a descoberta criativa. É com este esforço, e de fato é difícil criar-se humor com qualidade, que posso afirmar que, na Comédia, continuaremos evoluindo, pois se a tendência atual persistir, receio em algumas décadas não termos mais criadores de Humor, autores de qualidade, mentes cômicas que possam preencher o vazio que a crítica e o pessimismo deixam por onde passam.
Será que o humor contemporâneo caminha para a paródia da paródia? É mesmo engraçado, ou não temos outra opção melhor? Precisamos nos perguntar neste momento: que público estamos formando para o futuro! O público que não acredita em nada, ou o que sonha, fantasia, imagina, e por isso é capaz de brincar, rir, ser criança independente da idade que tem?