Estou na primeira semana de um processo de criação de espetáculo circense (acabamos hoje o terceiro dia de ensaio), que estou dirigindo com os alunos do CEFAC, em São Paulo. E, como todo processo de criação, este é cheio de dúvidas. De inseguranças. De expectativas, desejos, sonhos e os infalíveis ceticismos, doses de experiência, realismo ou pessimismo, o achar que tais e tais idéias não vão dar certo, seja em função do prazo para a criação e montagem do espetáculo, seja pela realidade da produção. Acho que é da idade.
Explico: o CEFAC não ganhou o prêmio Carequinha deste ano (2010) para realizar o espetáculo anual (tínhamos ganhado quatro edições seguidas). Porém, como sempre montamos esse espetáculo, resolvemos fazê-lo mesmo assim, mesmo sem dinheiro. E, como é de praxe, não temos dinheiro para a montagem de um espetáculo (mal temos para o pagamento dos professores…). Assim, achamos um diretor no mercado que toparia trabalhar de graça (eu…) e resolvemos montar um espetáculo sem verba nenhuma. Fora a estupidez que essa explanação encerra, vou adiante com o tema da coluna: o processo de criação e as dúvidas que ele gera.
Então, começamos o processo. Como costumamos fazer, no final do ano consultamos os alunos sobre o tipo de espetáculo que eles gostariam de montar, se há o desejo de contar uma história, de explorar um tema, de fazer algo mais experimental, mais tradicional e assim por diante. Pelos que apreendi dos alunos, eles queriam fazer algo mais tradicional, um formato de números, mais que algo mais teatral. Com as conversas já deste ano, chegamos ao desejo de montar cenas/números coletivos (com menos número individuais), de fazer um espetáculo alegre, com muita energia, que tivesse uma sensação forte de pertencimento para o público que o vier assistir; e, como é assim nos dias de hoje, trocamos muitos e-mails de vídeos de espetáculos do youtube. E a referência são os espetáculos ciganos, com música ao vivo, com todos os artistas em torno dos números, mesmo quando não fazem parte do mesmo, porque todos fazem parte de todos os números, fazem parte do ambiente, do cenário.
E aí me vêm várias questões – além das óbvias: como fazer se não temos uma banda, se temos pouquíssimos músicos, ou se não temos tempo, ou se há disputas entre integrantes do elenco, se não temos verba par o cenário, para o tapete no chão, para a mesa onde se serviria o jantar, etc. O circo cigano é uma das muitas raízes do circo (podemos dizer assim?). Uma das raízes do circo contemporâneo dos últimos 200, 300 anos no mundo, assim como no Brasil. A ideia da família unida, que toca instrumentos, que faz números circenses, que dança, que é alegre, que faz um jantar em cena e convida o público para comer, são sensações que vêm das raízes do circo. Mas são, ao mesmo tempo, absolutamente contemporâneas. Pois são carregadas de exotismo. De Relação entre pessoas. Têm até uma carga política (na França, há dois anos, foi aprovada uma lei que dificulta e muito a vida dos ciganos e os circos ciganos teriam restrições de funcionamento no país…).
Comecei minha vida artística no teatro e, ainda cedo, me meti no circo. Com isso, aprendi que o teatro não tem barreiras, tudo que é cena ao vivo, tudo que tem um princípio de fantasia, com um artista presente e alguém na platéia, é teatro. Portanto, circo é teatro. Ou, de outra forma, se há exibição de virtuosismo, é circo. Ou ainda, se é na lona, é circo. É isso?
Não tenho certeza. Não importa. Importa é que essas sensações, essas maneiras de fazermos um espetáculo são hoje um tema, um assunto, um conteúdo. Como se fosse um espetáculo de teatro sobre o circo cigano. Ou será que é um espetáculo de circo, apenas recuperando suas origens? Qual a diferença? Não sei. Isso é importante? Acho que não. Não tenho certeza. Não tenho certezas.
Outra opção que fizemos já, desde o início: O espetáculo será de arena.
Arena inteira, sem saída para as coxias. Mais uma vez, tentaremos remeter o público ao circo como ele é, ou como ele era – na lona.
A partir daí, são tantas as lacunas…
O que já decidimos, até que decidamos o contrário: Teremos quatro ou cinco grandes números, com mais gente, números coletivos, cada um de uma técnica. Báscula, Mastro Chinês,
Trapézios fixos, malabares e, talvez, acrobacia. Além destes, dois números de malabares, um solo e um em dupla, um número de corda lisa com texto, um número de corda bamba. Talvez um de quatro liras. Entre vinte artistas/alunos. E eu, como diretor/artista/criador, gostaria de experimentar coisas – tenho vontades: Como a de misturar um número no outro, fazer o número começar antes de o anterior ter terminado; como a de criar cenas que misturem diversas técnicas, muitos artistas, decupar cada ação, cada truque, ou trechos de número, criando um caleidoscópio circense de imagens e truques, fortemente apoiado no pulso da música; e como a vontade de ter o elenco todo, o tempo todo, em cena, fazendo parte da cena, criando o ambiente, o clima, e ajudando na interação com a platéia.
Tudo isso me foi sugerido pelas vontades dos alunos/elenco. Tudo isso já foi feito, no circo ou no teatro. Foi? Não tenho certeza.
Mas não deixa de ser instigante, de dar um delicioso frio na barriga. A expectativa do novo, da criação do que nunca foi feito, do desconhecido (por mais que se repita fórmulas, será sempre um espetáculo novo), será sempre maravilhosa. Não tenho certezas.
Rodrigo Matheus (19/jan/2011)
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