Guapimirim, 29 de março de 2014.
Há um bom tempo venho tentando gritar ao mundo que Guapimirim tem Circo, tem sim senhor! Mas Guapimirim? Onde fica Guapimirim?
Este município de cerca de cinquenta mil habitantes (IBGE 2010), situado no estado do Rio de Janeiro, encontra-se localizado num vale formado pela base do Pico Dedo de Deus (Serra dos Órgãos), e faz limite com os municípios de Magé, Itaboraí, Cachoeiras de Macacu e Teresópolis.
Até 1990 Guapimirim pertencia a Magé. Hoje, em seus 23 anos de emancipação – o aniversário da cidade é em novembro – este jovem município se organiza buscando uma identidade cultural. Nossa secretaria de cultura foi fundada somente em 9 de janeiro de 2013.
Desde o final de 2012 trabalho com circo na minha cidade. Originalmente sou do Rio de Janeiro. Escolhi Guapimirim para morar e para promover a arte com a qual trabalho, o circo, com todo seu encanto e poder transformador. Com base neste potencial que a arte educação possui, principalmente apostando na linguagem circense, montei um grupo amador de arte de rua e um projeto social que atende a quarenta e cinco crianças da cidade.
Desde que comecei busco o apoio dos nossos gestores. Numa cidade pequena nós temos acesso a essas pessoas com facilidade. É possível encontrá-los na rua, fazemos contato pelas redes sociais e isso é muito bom para quem quer estreitar os laços com o poder público.
Foi através desta facilidade de acesso aos gestores que consegui me instalar no ginásio poliesportivo da cidade. Guapimirim possui um ginásio de esportes sob a gestão da Secretaria de Turismo Esporte e Lazer. Na verdade é apenas uma grande quadra coberta, com duas traves de futebol, sem cesta de basquete, com dois vestiários, um bebedouro que fornece água gelada apenas no inverno, uma sala de administração e goteiras, muitas goteiras.
Mas para trabalhar com o circo é excelente. Pé direito alto, local para ancorar os equipamentos e um cantinho onde cabem perfeitamente os colchões que eu ganhei de uma doação da ONG Qualivida.
E é só isso. Este é todo apoio que o projeto recebe da prefeitura: um local. Com horário limitado porque na maior parte do tempo o ginásio está ocupado com jogos de futebol.
Os equipamentos de circo são meus. Adquiridos ao longo do tempo com recursos do meu trabalho formal que sustenta a minha arte. Porque é lógico que não consigo viver de arte em Guapimirim. Até conseguiria isso em outros municípios ou na metrópole.
Mas então porque continuar nesta cidade que ainda não tem uma gestão sócio-cultural efetiva, que mesmo vendo o resultado do meu projeto social ainda não se interessa em ajudar? Porque insistir numa cidade em que a secretaria de cultura sequer lê meus projetos e que, por mais fácil que seja o acesso que tenho aos gestores, falta apoio aos artistas locais que não se vendem a interesses eleitoreiros?
Eu acredito que se fosse fácil fazer o que eu quero fazer na minha cidade, que eu não seria necessária aqui. A minha cidade tem a pureza do inexplorado.
Tudo que faço aqui é novidade. Por mais que no universo circense os números de tecido acrobático já estejam mais do que batidos, aqui em Guapimirim eles ainda são incríveis! Um truque básico de tecido aqui ainda arranca gritos assustados da plateia e muitos aplausos.
Nós temos muito pouco acesso à cultura. Quando os gestores fazem algum evento na cidade, priorizam os mega shows com artistas populares, que agradam grandes massas.
Neste 27 de março, dia nacional do circo, eu participei de um evento promovido pela Secretaria de Cultura de Teresópolis. Um belo evento que atingiu mil pessoas com oficinas, cortejo e palco aberto.
Uma semana antes deste evento, com o qual eu me comprometi em meados de janeiro, recebi uma ligação da Secretaria de Educação de Guapimirim na qual me solicitavam uma apresentação circense para a classe especial do nosso CIEP. Durante a conversa com essa pessoa da educação, fui informada que a princípio eles levariam as crianças especiais a um circo de verdade, mas como ficou muito em cima da hora, eles resolveram fazer uma coisa mais simples e entraram em contato comigo. Não pude aceitar a apresentação para as crianças, que seria inteiramente gratuita, porque eu já havia me comprometido com a secretaria de Teresópolis. Após minha negativa, recebi uma contraproposta de mandar um aluno meu se apresentar para as crianças. Também não pude aceitar porque de qualquer forma eu deveria estar presente. Então a última proposta foi que eu apresentasse qualquer coisa colorida com um nariz vermelho, só para o dia do circo não passar em branco.
É esse o valor que alguns gestores de Guapimirim dão aos artistas da casa. Além de sermos a última opção, acham que nosso trabalho não merece ser remunerado e que o que fazemos qualquer um pode fazer.
Sorte minha que tenho o público da cidade para dizer o contrário. Neste mesmo dia do circo, ao final da aula do projeto social, um dos artistas do meu grupo fez uma pequena apresentação de pirofagia para as crianças.
Incrível ver como aquilo era novidade para elas. Algumas chegaram a achar no início que o fogo era de mentira. E gritou isso em meio à plateia e logo foi surpreendida por uma imensa labareda de fogo produzida pelo pirofagista ao cuspir para o alto. Ela, a descrente, foi ao delírio! Era de verdade! E todas as crianças e seus pais aplaudiam vigorosamente a cada vez que a chama era exibida! Foi lindo.
E é por isso que nesta cidade ainda vale a pena tentar trabalhar com a arte. Se o incentivo ainda não vem dos gestores, ele vem com muita força do público da cidade, carente de arte e sedento de novidade.
E para quem ainda tem dúvida, fica meu grito: Guapimirim tem circo! Tem sim senhor!
Fontes:
http://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?codmun=330185
http://www.guapimirim.rj.gov.br/