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Patrimônio estratégico

Artigo publicado por Washington Fajardo em sua coluna no O GLOBO em 29/11/2014. 

Patrimônio estratégico

Por que adoramos as cidades bem conservadas europeias, mas negligenciamos os nossos centros urbanos e seu fabuloso ambiente construído ao acaso?

Este ano, a vigésima-sétima edição do Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade, nosso “Nobel” do patrimônio cultural, promovida pelo Iphan, reconheceu seis iniciativas importantes: o registro da artesania das rabecas e seus músicos, no Ceará; o trabalho de salvaguarda dos circos tradicionais e familiares, em Minas Gerais; a recuperação da técnica tradicional para construção de barcas de buriti, no Pará; a estratégia econômica e social de preservação das técnicas de bordado, em Goiás; o resgate cultural do Cariri através de iniciativas de indústria cultural, na Paraíba; o apoio com recursos públicos à restauração de imóveis privados através de seleção de projetos, o edital Pró-Apac, no Rio de Janeiro.

Curiosamente, vimos pela imprensa, nas últimas semanas, casos de marcas e produtos que buscam na dimensão histórica, e no discurso da tradição, uma força que os diferencie competitivamente. É o que os publicitários chamam de storytelling: uma narrativa que conecte pessoas às marcas.

É interessante observar as dimensões de memória e identidade como campos poderosos, capazes de alavancar e sustentar processos socioeconômicos, e ir além: são capazes de dar sentido à vida. Seja no interior do país, na Amazônia, nas grandes metrópoles, de modo orgânico e real; seja criando produtos ou marcas culturais, de modo construído e artificial. Não há maniqueísmo nestas práticas. Elas são parte da vida.

O ato de colocar espirito humano na matéria, na busca pelo sentido, pertencimento e significado, confere ao patrimônio cultural uma força estratégica que muitas vezes não é compreendida. E muitas oportunidades são perdidas.

Por que importamos e apreciamos queijos e vinhos europeus, com Denominação de Origem Controlada, um controle de qualidade, mas criamos empecilhos burocráticos a fabulosos produtos nacionais, genuínos e radicais, como o queijo do serro, o pão de queijo, a goiabada, a cachaça?

Por que adoramos as cidades bem conservadas europeias, mas negligenciamos os nossos centros urbanos e seu fabuloso ambiente construído ao acaso? (Raramente realizamos jantares para angariar fundos para recuperar o nosso acervo construído) Por que celebramos visitas ao Flatiron District, ou ao Marais, ou Covent Garden, mas não percebemos a força de marcas urbanas como Lapa, Ipanema, Brique da Redenção, ou Ver-O-Peso, e sua capacidade de atração e vitalidade? Como são geridas áreas estratégicas nas grandes cidades do mundo?

Será que estamos atentos ao “pré-sal” inesgotável que é o patrimônio cultural, rural e urbano, brasileiro? Qual é a força econômica desta jazida?

O designer e artista plástico Aloisio Magalhães, responsável por verdadeiros monumentos gráficos brasileiros, presidente do Iphan de 1979 até 1982, quando faleceu, dizia que a cultura, na dimensão do patrimônio cultural, seria como a borracha do bodoque: quanto mais forte e flexível, para suportar grande tensão para trás, mais longe seriam a trajetória da pedra e seu alcance.

O Rio de Janeiro é a única capital do país que está colocando efetivamente o Centro Histórico como vetor principal de seu desenvolvimento urbano. Um patrimônio que tínhamos, que era a malha de mais de 400 quilômetros de bonde, e que abandonamos, pela sedução do urbanismo modernista, começa a ser resgatado com o VLT agora, por exemplo. Dentro deste Centro existem lugares que são núcleos culturais pulsantes como Lapa, Estácio, Morro da Conceição, Cinelândia etc.; dentro destes lugares existem pessoas, empresas, serviços, produtos, que cuidam e reinventam tradições como Confeitaria Colombo, Cordão da Bola Preta, Chapelaria Porto, Teatro Rival, Circo Crescer e Viver etc. Estes lugares, estas iniciativas, estas tradições e inovações são marcas culturais.

O potencial estratégico do patrimônio cultural como força econômica, no Rio, é vasto, mas é necessário que uma nova narrativa comece a ser estabelecida na cabeça dos cariocas: seus filhos morarão no Porto ou no Centro. Talvez até você. É necessário reocupar esta área. Esta região está sendo preparada para isto. Precisamos romper com a depreciação do nosso passado, com a manutenção de imóveis vazios por anos, décadas, e começar a adotar ferramentas como o IPTU Progressivo, ou utilização compulsória, por exemplo, para dar significado a estes lugares cheios de riquezas, e que podem gerar outras.

O patrimônio puro e intocável é também uma invenção do urbanismo modernista. O patrimônio é dinâmico, faz parte da vida e pode ser também seu sustentáculo. Todos nós vivemos dentro da História, até a Economia.

Washington Fajardo é arquiteto e urbanista

PARA SABER MAIS SOBRE O CIRCO CRESCER E VIVER, ACESSE: Crescer e Viver e CIRCONTEUDO/JUNIOR PERIM

http://oglobo.globo.com/opiniao/patrimonio-estrategico-14692066#ixzz3KkZ5wM10

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