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Escolas formam nova geração de artistas circenses que reciclam as lições do picadeiro

Revista da Folha de São Paulo

Seção Educação, de 28/05/2006.

http://www1.folha.uol.com.br/revista/rf2805200603.htm

Filhos (adotivos) do circo

No passado, artista circense era aquela pessoa que nascia ao redor do picadeiro ou fugia de casa apaixonada pelo malabarista. Casos assim ainda acontecem, mas encontram concorrentes em um mercado de trabalho globalizado e competitivo. São os frutos das escolas de circo, gente que nasceu e cresceu em famílias sem nenhuma relação com esse universo mas que, por algum motivo, resolveu se arriscar sob a lona.

“Olha, eu não gostava de circo. Para mim era coisa do Bozo”, conta Carlos Sugawara, 28. Formado em música e teatro pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), o rapaz descobriu o gosto pela coisa ao ser convidado para interpretar um palhaço numa peça. “Aceitei e me encantei. Comecei a fazer cursos que a Central do Circo oferecia, como malabares e iniciação a técnicas circenses.”

Em 2004, Carlos entrou para a primeira turma do Centro de Formação Profissional em Artes Circenses (Cefac) e acabou se interessando por acrobacias aéreas -a lira, aquela argola pendurada para acrobacias, virou sua especialidade. Hoje, além de aulas no Galpão do Circo, o rapaz ensina macetes básicos na academia Competition.

Não há um levantamento oficial de quantas escolas do tipo existem no país, mas o site especializado Pindorama Circus lista mais de 50, entre profissionalizantes, de lazer e projetos sociais. “Escolas informais sempre existiram sob a lona, para filhos de circenses e agregados. Mas chegou uma época em que as novas gerações começaram a não querer mais ser artistas. Foi o cenário ideal para o surgimento das escolas”, explica Alex Marinho, diretor do Cefac.

No Brasil, a primeira escola de circo surgiu em 1978, escondida sob as arquibancadas do estádio do Pacaembu e apoiada pelo governo do Estado. Era a Academia Piolin de Artes Circenses, que, sem incentivos, durou três anos. Em 1982, nasceu a Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, a mais antiga em funcionamento. Depois, vieram a Circo Escola Picadeiro, em São Paulo, e a Escola Picolino de Artes do Circo, na Bahia.

O currículo da Escola Nacional do Circo, a única mantida pelo Ministério da Cultura, mistura aulas de malabares, acrobacias, perna-de-pau, dança e oficina de palhaço. Os treinamentos, de quatro horas diárias, estendem-se por quatro anos e incluem conhecimentos teóricos de anatomia, história da arte e noções de segurança.

“Estamos com cerca de 150 alunos. Já formamos mais de 220, dos quais uns 180 foram para companhias como Cirque du Soleil, Marcos Frota e Beto Carrero. Outros entraram em grupos como a Intrépida Trupe”, diz Francisco Aramburu Filho, o Chicão, coordenador pedagógico.

Carma circense

Em São Paulo, o curso que mais se aproxima de uma formação profissionalizante é o Cefac. “É um curso livre, mas intensivo. Temos convênio com o Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de São Paulo) para que os alunos recebam o atestado de capacitação, o que ainda não significa muita coisa, já que a atividade não é regulamentada”, diz Marinho.

O Cefac tem atualmente 15 alunos em três turmas. Não é moleza: dos 20 alunos da turma inicial, de 2004, apenas três continuam. As dificuldades são a carga horária de mais de cinco horas por dia e a mensalidade de R$ 790.

Ex-estudante de teatro na ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), Rodrigo Matheus, outro diretor do Cefac, foi um dos alunos pioneiros, nos anos 80.

Filho de um pesquisador e uma cientista social, Rodrigo deu um susto na família ao informar sua opção profissional. “Meu pai queria morrer. Achava que eu não levava a vida a sério. Hoje, entende que é uma profissão, porque me apresento no exterior e meu trabalho é reconhecido”, diz o criador da companhia Circo Mínimo.

A reação dos pais de Maíra Campos, 23, foi mais fácil. Ela estudou balé e ginástica olímpica, fez aulas no Circo Escola Picadeiro e aprimora o estilo na faculdade de comunicação e arte do corpo na PUC. “O treinamento exige o máximo de dedicação. Quatro horas por dia é o mínimo necessário”, diz.

Maíra se especializou em equilíbrio no arame e faz parte do Circo Zanni. “Representamos o circo tradicional com visão contemporânea. Como não somos de famílias de circo, buscamos adicionar aos espetáculos técnicas que aprendemos nas escolas”, diz.

Do lado oposto da lona, Orlando Orfei, 85 anos, quinta geração de uma família circense, torce o nariz que já foi de palhaço, acrobata, locutor, mágico e domador. “Não é a mesma coisa. A verdadeira escola é a de pai para filho. Alguém que vira artista porque puxa ao pai é melhor do que qualquer outro”, diz.

Orfei suspendeu as atividades de seu circo há alguns anos, porque sua mulher se cansou, mas empresta o nome famoso a outro grupo. Tem seis filhos; três seguiram seus passos.

Seja como for, parece que os novos circos têm um carma a cumprir. Com menos de três anos de vida, o Circo Zanni acabou se tornando familiar. Os nove integrantes e a produtora do grupo são, na verdade, cinco casais. Maíra namora um dos colegas. “Ainda não penso em ter filhos. Mas outros aqui têm crianças pequenas, que estão sempre no picadeiro.”

Em algum ponto, a teoria de Orfei parece estar certa, ainda que ele próprio não tenha conseguido praticá-la: “Quem nasce no circo tende a ficar nele até o fim da vida.”

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serviço

Galpão do Circo e Cefac. R. Girassol, 323, Vila Madalena, tel.: 3812-1676. www.galpaodocirco.com.br

Academia Brasileira de Circo. Av. Francisco Matarazzo, 2.030, Água Branca, tel.: 3803-9322 / 3801-9012.

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