Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que este texto trata das minhas reflexões sobre um trabalho que venho realizando há mais de 10 anos, voltado para a formação e recuperação de crianças/jovens/adultos, portadores ou não de necessidades especiais, no qual utilizo as atividades circenses como recurso de estímulos e apoio alternativo.
Ao desenvolver essas reflexões, um aspecto que deve ser explicitado é que não se trata efetivamente de uma terapia alternativa fisioterápica, mas sim das possibilidades de mesclar o conjunto de saberes fisioterápicos e circenses, no campo da reabilitação física e psicosocial e da educação em saúde.
Para que os interessados pelo assunto possam entender melhor este mesclado de conhecimentos e como surgiu a idéia do trabalho, unindo os recursos destas duas áreas, antes de mais nada assinalo que tem muito a ver com a minha própria história de vida. Pertenço à quarta geração da Família Temperani e Silva, circenses tradicionais e, como tal, sou uma apaixonada pela arte, cultura e saberes circenses; além disso, sou graduada em Fisioterapia pela PUC – Campinas há mais de 20 anos.
Tenho certeza de que meus colegas fisioterapeutas vão concordar comigo que, quando trabalhamos na reabilitação de pacientes, principalmente, na área de neurologia, em especial com crianças, nosso trabalho é repetitivo e esgotante, nos levando, muitas vezes, à criação de novas situações, que nos permitam dar uma nova roupagem para aquela mesma atividade, para aqueles mesmos exercícios e estímulos. Foi assim que introduzi, no início, personagens circenses em minhas sessões de reabilitação junto às crianças, conseguindo transformar estas sessões em atividades mais lúdicas e interessantes.
Diante do resultado positivo dessa minha primeira experiência, comecei a relacionar as técnicas, as posturas e os padrões de movimentos das artes circenses às necessidades de estímulos, para contribuir com o desenvolvimento psicomotor da criança. Nesse processo, observei também posturas e movimentos exigidos por essas técnicas que são contrários e/ou inibitórios às posturas e padrões de movimentos patológicos. Como um dos resultados iniciais desses primeiros passos, voltados ao registro de minha prática, pude confirmar a riqueza da utilização das atividades e técnicas circenses, bem como no entendimento de seu uso, com crianças; além da possibilidade de uma desenvoltura especial de diversas habilidades.
Assim, criei o projeto “Oficina de Artes Circenses para Portadores ou não de Necessidades Especiais – PNE”, que até hoje desenvolvo. Sempre me surpreendo com novas descobertas, tal a riqueza que o tema circo e atividade circense têm trazido. Neste Projeto, desenvolvo estas atividades circenses, utilizando ou não equipamentos e aparelhos adaptados, tais como: equilíbrio sobre a perna-de-pau; equilíbrio sobre a bola; equilíbrio sobre o arame esticado; malabares com bolinhas, aros, lenços e claves; paninhos chineses; chapéus mexicanos; rola-rola; tranca (malabares com os pés); cama elástica; trapézio fixo; atividades cômicas; maquiagem e outras.
O conjunto dessas atividades trabalha fortemente com: coordenação motora (grossa e fina), equilíbrio (estático e dinâmico), esquema corporal, orientação espacial, postura, dicção, desenvoltura, reeducação respiratória, destreza e tantos outros estímulos necessários para o desenvolvimento psicomotor normal de uma criança, de um jovem e/ou adulto portador ou não de seqüelas neurológicas, ortopédicas, mentais (de grau leve ou moderado), entre outras. Tudo isso tem, sempre, como base, o respeito às limitações de cada um, mas ao mesmo tempo o encorajamento para superarem seus limites, transporem seus medos e descobrirem suas habilidades, a fim de resgatar a auto-estima e acima de tudo a inclusão psicosocial. Mesmo quando essas atividades são desenvolvidas visando apenas o objetivo “Recreativo”, as mesmas não deixam de ter seus benefícios, através de efeitos indiretos sobre aqueles campos.
Atualmente, tenho desenvolvido esse trabalho através da realização de Oficinas em um circo de lona, com uma visão que vai além da fisioterápica, ou seja, considero a formação de um novo homem, que parte atual demanda da sociedade. Tal proposta se baseia nas Teorias Psicogenéticas elaboradas por Piaget, Vigotsky e Wallon, e sustentadas pela nova Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB), na qual tomo como referência as idéias de democracia relacionadas ao desenvolvimento global do homem.
A LDB, nº. 9394/96, está voltada a uma nova concepção de educação que, ao definir suas diretrizes e bases, estabelece como objetivo geral proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades, como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania. Para a formação desse novo homem é necessário trabalhar vários aspectos, entre os quais, o: cognitivo, afetivo e social. De acordo com os princípios dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o indivíduo precisa ter uma visão do todo, ser um sujeito “apreendente”, mostrar competência e habilidade. Para isso há necessidade da tríade: “Aprender a Aprender” – “Aprender a Fazer” – “Aprender a Ser”.
A concepção metodológica básica parte de situações concretas para posteriormente teorizá-las e retornar à prática para transformá-las (dialética: ação-reflexão-ação). Nesse sentido, o projeto “Oficinas de Artes Circenses para Portadores ou não de Necessidades Especiais” propõe uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, considerando os interesses e as motivações dos alunos, e com isso colaborar para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuarem com o máximo de sua competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem.
Todo o trabalho desenvolvido é fortemente baseado na formação do circense e na sua organização de trabalho, e também nas práticas das várias modalidades das artes circenses que, através da pluralidade de experiências e variados saberes, estimula a criança/jovem para a descoberta de suas habilidades e prepara-os para o aprendizado. De forma lúdica, proporciona também a vivência do trabalho em grupo, bem como da sociabilidade, respeito mútuo, disciplina, responsabilidade, uso da liberdade, solidariedade e dignidade.
Portanto, considerando que a aprendizagem não se restringe ao simples exercício de certas habilidades e destrezas e sim às experiências práticas sobre as possibilidades corporais, intelectuais e afetivas, interelacionadas em todas as situações, esse projeto tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento psicomotor dos alunos e, conseqüentemente, com a formação de seu caráter e personalidade, visando sua efetiva integração na vida em sociedade.
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Rosicler Temperani é diretora do:
Circo Encantado – Circo Irmãos Temperani Eventos
rosiclair745@hotmail.com; eventos@circoencantado.com.br
www.circoencantado.com.br