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O ensino de arte circense no Brasil. Breve histórico e algumas reflexões

Tentar recuperar, mesmo que brevemente, o processo de desenvolvimento da história do ensino da arte circense em escolas no Brasil tornou-se uma tarefa investigativa que teve como metodologia o cruzamento de relatos orais, pesquisa em fontes e bibliografia. Apesar da constatação da proliferação das escolas, nos últimos vinte anos, pouco ou quase nada foi escrito de modo sistematizado a respeito de como tal processo ocorreu.

Antes de tudo, é preciso explicitar que iniciamos o texto com um histórico de como se dava o processo de socialização/formação/aprendizagem entre os circenses até pelo menos a primeira metade do século XX, no Brasil. Esta opção metodológica se deve ao fato de acreditarmos que, ao mesmo tempo em que houve mudanças significativas no processo pedagógico de ensinar as artes circenses para fora do espaço da lona, não se pode pensar estas transformações sem uma presença marcante de homens e mulheres circenses no próprio surgimento das escolas de circo por aqui. Além disso, como analisado na dissertação de mestrado, de Erminia, o modo de desenvolvimento da transmissão dos saberes circenses fez e faz desse mundo uma escola única e permanente; e isto esteve e está presente nas construções pedagógicas contemporâneas.

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O circense, até pelo menos a primeira metade do século XX, na sua maioria, nascia no circo ou a ele se juntava. O processo de formação e aprendizagem tinha início desde o seu nascimento. A criança representava aquele que portaria o saber. No ensinar e no aprender estava a chave que garantia a continuidade do circo, estruturado em torno da família. Aparentemente não havia como fugir do “destino”.

Nem todas as crianças, porém, se sentiam aptas ou queriam aprender números que implicassem risco; havia no circo as que não podiam executá-los, por problemas físicos, ou simplesmente por não quererem aprender. Não era a maioria, até porque a chance de escolha era muito reduzida. Mas nem mesmo nestes casos deixavam de trabalhar em outras atividades, que não exigissem a destreza corporal. Entravam em sketchs, atuavam nas peças teatrais, participavam da organização do circo, trabalhavam na armação e desarmação, na bilheteria. Era muito comum, para estas crianças e jovens, aprenderem a tocar instrumentos, cantar e dançar. Enfim, os números de risco não eram os únicos apresentados durante o espetáculo, sempre havia o que aprender.

A criança circense, no circo-família, era de responsabilidade de todos. Mesmo que perdessem seus pais, não eram abandonadas, seriam absorvidas pela “família circense”, pois fazer parte daquele modo de organização pressupunha que crianças, jovens e adultos sempre teriam algo a aprender e apresentar no espetáculo.

Somente os circenses eram conhecedores da arte de armar e desarmar um circo, ou um ‘aparelho’. Eles mesmos garantiam a sua segurança e a do público que assistia ao espetáculo. Era “natural” que tanto proprietários quanto contratados fizessem parte da montagem de cada detalhe. Como se diz na linguagem circense, “todos tinham que ser bons de picadeiro e bons de fundo de circo”, não bastava só saber executar um número, fosse acrobacia, dança, canto ou representação no teatro.

Aprender a dar um salto mortal, por exemplo, muitas pessoas aprendiam, não precisavam de circo para isso. Mas, saber ‘empatar uma corda ou um cabo de aço’, confeccionar um ‘pano’, ‘preparar uma praça’, ser mecânico, eletricista, pintor, construir seu próprio aparelho, armar, desarmar, isso tudo é que diferenciava um artista circense de outros artistas.

O mesmo também ocorria com aqueles que não haviam nascido no circo, “gente da praça” que fugia com o circo ou que simplesmente a ele se incorporava. Este “estranho” poderia até se tornar um tradicional, um formador de tradicional família circense ou um formador de uma dinastia circense, desde que passasse pelo ritual de aprendizagem dado por uma das famílias tradicionais. Qualquer pessoa poderia ser aceita pelos circenses, mas para isso tinha que aprender a sua arte, não bastava apenas se agregar para ser figurante ou participar de uma grande aventura.

A técnica aprendida por meio dos ensinamentos de um mestre circense era a preparação para o número, mas continha, também, os saberes herdados dos antepassados sobre o corpo. A transmissão oral da técnica pressupunha um método, ela não acontecia por acaso, mesmo que não seguisse nenhum tipo de cartilha. A dimensão tecnológica era indissociável da dimensão cultural e ética, e revelava como o grupo construíra a sua relação de adaptação. As alternativas e soluções tecnológicas encontradas eram orientadas pelas referências culturais específicas dos grupos circenses, pois, em última instância, a tecnologia se inscreve, antes, como um tipo de saber. Não é demais recolocar a idéia de que no circo nada é apenas técnico.

A criança seria não só a continuadora da tradição, mas também um futuro mestre. Para ser um circense tinha que assumir a responsabilidade de ensinar à geração seguinte. Ao longo de sua aprendizagem, a criança “aprendia a aprender” para ensinar quando fosse mais velha. O “ritual de iniciação” – aprendizado e estréia – era um rito de passagem, a possibilidade de tornar-se um profissional circense. O contato com a geração seguinte era permanente, havendo um envolvimento direto na aprendizagem. A partir da adolescência, muitas crianças começavam a ensinar aos mais novos – irmãos, primos, e outros.

A partir de tudo isso, o que se conclui é que as atividades circenses, desenvolvidas por homens e mulheres, continham uma rica produção cultural, com uma multiplicidade de linguagem artística – que não só a acrobática –, o que transformava o circo em uma escola única e permanente. Além disso, é importante assinalar a sua contemporaneidade com os demais produtores culturais, vivenciada em cada período histórico. Havia, e há, um intercâmbio permanente entre as várias produções artísticas, qualquer que fosse o lugar onde estivesse acontecendo. No picadeiro, o campo de originalidade e experimentação se desdobrava, e se desdobra, inclusive como referência para estruturar outros lugares de produção. E não é por acaso que, ao pesquisarmos as histórias do teatro, do teatro de revista, da música, da dança etc., no Brasil, encontramos um entrelaçamento de artistas circenses ocupando todos esses espaços, não apenas como partners, mas como produtores e criadores dessas várias linguagens.

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Esse modo de organização do trabalho, que pressupunha a transmissão oral dos saberes e práticas para a geração seguinte portadora dos mesmos, passou por transformações. O tema relacionado ao ensino/aprendizagem, dentro da própria estrutura do circo-família, já estava sendo questionado por alguns circenses brasileiros desde a década de 1920, como se pode observar em um artigo escrito por Leopoldo Martinelli, sob o título “A decadência da arte”, no Boletim Mensal da Federação Circense, de 25 de novembro de 1925. Nele, o autor afirma que “há 20 anos passados” – portanto, nos primeiros anos do século – “eram os diretores de circos os primeiros a irem com os filhos, irmãos ou discípulos para o picadeiro, e ensaiavam novos números, novas dificuldades, para engrandecerem o nome do artista brasileiro”. Entretanto, continua ele, “hoje [1925], qual o artista que se arrisca a ensaiar um trabalho como vôos, acrobacia, jóquei e outros, que dependem do auxílio de alguns colegas?” 1

A problemática apontada por Leopoldo Martinelli, contudo, não esteve presente entre a maioria dos circenses brasileiros, até pelo menos a década de 1950. No entanto, a partir das décadas de 1960/70, a produção do espetáculo circense e o próprio circense, em si, passam por transformações significativas. Um dos indicativos importantes era precisamente certa ruptura na transmissão à geração seguinte, uma mudança na característica marcante da história dos circenses, que era o circo ser uma escola única e permanente. A valoração social passava a não ser mais a aprendizagem dada no próprio circo, por seus próprios membros; ela estava voltada para a aprendizagem oferecida nos bancos escolares “formais”.

A proposta do espetáculo, que tinha como base a multiplicidade das linguagens artísticas contemporâneas, também passou por mudanças. A presença do teatro, da dança, da música (por meio dos instrumentos musicais), a incorporação de vários outros profissionais de fora do circo, como cantores, entre outros, foram provocando alterações a ponto de muitos circos organizarem seus espetáculos, predominantemente, com números de animais, palhaços e acrobáticos em geral. Este tipo de circo sempre existiu, mas era uma das múltiplas formas de se constituir o espetáculo. O circo-teatro, os shows de outros artistas não-circenses, a dança ainda continuavam sendo apresentados em alguns circos, mas o foco principal dos circenses e do público eram os números acrobáticos, que exigem habilidades e destrezas, em que se enfrentam e se superam desafios e perigos.

Apesar de vários circos de lona ainda serem constituídos por famílias, não era mais o grupo familiar artista – que trabalhava na armação e desarmação do circo, no fabrico e conservação da lona, na parte da manutenção elétrica, de transporte etc., e também representava no teatro, na acrobacia, dançava e tocava um instrumento musical – que ia ser contratado. A partir da década de 1960, é somente o artista, individualmente, que é contratado, sem fazer parte de suas obrigações nada além de trabalhar no espetáculo. Quanto à transmissão oral dos conhecimentos, desde a década de 1950 os artistas de circo começaram a se voltar para a educação “formal” de seus filhos, o que significa que muitos deles deixaram de ser portadores daqueles saberes.

Aqueles que permaneceram e permanecem trabalhando nos circos de lona não têm mais o aprendizado coletivo como condição de formação. De artistas múltiplos, tornaram-se, dia a dia, especialistas não só dos números apresentados, mas também com relação à parte administrativa do circo. Entretanto, ainda se mantém a idéia de que o modo de realização da linguagem circense, como método pedagógico, pressupõe – ainda que não a partir de base coletiva e total – a formação global da pessoa, ou seja, para se constituir um artista de circo é necessário que se aprenda a dominar, além dos exercícios acrobáticos, as questões de segurança, tanto própria quanto dos colegas e do público; tenha conhecimento de maquiagem, figurino, de seu próprio aparelho de trabalho (se possível, construí-lo), de música, de dança, de um instrumento musical, de coreografia, de cenografia, de direção artística, entre outros.

Todas essas transformações ocorridas no modo de organização do circo, particularmente no ensino/aprendizagem, foram aos poucos consolidando a idéia de se montar escola de circo no Brasil, idéia esta presente nos debates, análises e ações de várias pessoas envolvidas direta ou indiretamente com o cotidiano dos circos de lona ou com famílias circenses, na ativa ou não.

O que se observou é que estas questões faziam parte de um movimento que extrapolava o Brasil. Desde o início do século XX já existem escolas de circo em vários países do mundo, sendo que as mais antigas são a de Moscou e a de Pequim. Entretanto, apesar da importância social e cultural da formação dessas escolas, somente depois de muitos anos é que se percebe uma movimentação mais efetiva voltada para a multiplicação de se ensinar as artes circenses fora daqueles países.

No final da década de 1970 e início de 1980, em alguns países da Europa Ocidental, na Austrália e no Canadá, artistas de diversas origens, circenses ou não, tiveram como resultado dos seus trabalhos artísticos a construção de um processo de consolidação de ensino das artes circenses fora do espaço exclusivo da “lona”. Na Austrália, com o Circus Oz (1978), e na Inglaterra, com os artistas de rua fazendo palhaços, mágicas, truques com fogo, andando em pernas de pau. Na França, a primeira escola de circo é a Escola Nacional de Circo Annie Fratellini, fundada em 1979, com o apoio do governo francês. No Canadá, ginastas começaram a dar aulas para alguns artistas performáticos e a fazer programas especiais para a televisão e em ginásios, em que os saltos acrobáticos eram mais circenses. Em 1981, criou-se a primeira escola de circo para atender à demanda daqueles artistas. Um ano depois, ainda no Canadá, foi criado o Club dos Talons Hauts, grupo de artistas em pernas de pau, malabaristas e pirofagistas, o mesmo que, em 1984, realizaria o primeiro espetáculo do Cirque du Soleil.

Concomitantemente ao movimento que estava ocorrendo naqueles países, teve-se a primeira experiência brasileira voltada para o ensino das artes circenses fora do espaço familiar e da lona, a Academia Piolin de Artes Circenses, fundada em 1978 na cidade de São Paulo. Proposta pela Associação Piolin de Artes Circenses, dirigida então por Francisco Colman, teve o apoio da Secretaria de Estado da Cultura, através da Comissão de Circo, sob direção de Miroel da Silveira.

É interessante notar que foi uma iniciativa dos circenses aliada a uma parceria institucional governamental. Dirce Tangará Militello, testemunha desse momento e uma das professoras da escola, afirma em seu livro que, a partir dessas duas iniciativas – a Associação e a Academia –, o circo brasileiro começava uma nova fase em sua história. Para a autora, bem como para aqueles que a fundaram, particularmente Francisco Colman, o objetivo principal de se ter uma escola de circo, naquele momento, era tentar reabilitar uma “profissão agonizante”, através dos mestres circenses, antes que fosse tarde demais. Era preciso que todos os artistas de circo tivessem consciência da importância da escola, pois somente com o seu apoio, enviando os filhos para participar dos cursos, é que a ela poderia demonstrar o seu “verdadeiro objetivo”. 2 De certa forma, os argumentos para que se abrisse uma escola de circo, não diferem muito daqueles levantados por Leopoldo Martinelli em 1925.

A Academia funcionou inicialmente debaixo das arquibancadas do estádio do Pacaembu. Depois se mudou para uma lona no Anhembi – atual sambódromo. Sem verba e sem apoio da Secretaria à qual estava vinculada, veio a fechar suas portas em meados do ano de 1983. A experiência de São Paulo, apesar das muitas dificuldades pelas quais passaram aqueles que estavam envolvidos no projeto, acabou por mostrar que era possível formar pessoas não nascidas em ou vinculadas aos circos de lona, mesmo que elas não fossem o público-alvo que fazia parte dos objetivos que fundamentavam a criação da escola.

É importante assinalar que, durante quase o mesmo período de formação e consolidação da Academia em São Paulo, outros artistas estavam se movimentando para pôr em prática a idéia presente entre os circenses brasileiros, ou seja, montar uma escola de circo. Isto vai ocorrer no Rio de Janeiro, e não se tem estudos ou informações se estes grupos mantiveram contato ou trocaram informações a respeito disto, bem como poucos são os trabalhos que se voltaram ou se voltam aos estudos sobre o processo de desenvolvimento histórico desses grupos e a criação da Escola Nacional do Circo.

O que se sabe é que, segundo Martha Maria Freitas da Costa, Franco Olimecha, pertencente à tradicional família circense, que estava residindo na cidade do Rio de Janeiro, também tinha como proposta a construção de uma escola de circo. Seus argumentos se baseavam em pressupostos semelhantes aos de seus congêneres paulistas, ou seja, de que a tradição familiar não seria suficiente para garantir a perpetuação da arte circense ao longo do tempo; que um número maior de pessoas talentosas nascidas dentro ou fora das famílias circenses deveria ter condições de aprimoramento e, por fim, que como o processo ensino-aprendizagem era inerente à vida do circo, uma escola seria a extensão lógica dos pequenos núcleos familiares para a grande família circense, promovendo uma democratização da informação e da ampliação de oportunidades. 3 Como em São Paulo, então, o amadurecimento da formação de uma escola foi tomando vulto entre os circenses cariocas. Para Martha M.F. Costa, como eram conhecedores das diversas escolas já existentes em vários países, que, na sua maioria, se não eram diretamente ligadas aos Ministérios da Cultura ou equivalentes eram, pelo menos, bastante subvencionadas, a idéia de uma escola vinculada à uma instituição governamental também se lhes apresentava.

A proposta da formação de uma Escola Nacional de Circo chegou ao Serviço Nacional de Teatro em 1974, quando assumia a direção Orlando Miranda. O projeto Escola iniciava seu desenvolvimento dentro de uma organização pública, mas agora de caráter nacional, através do herdeiro de Franco Olimecha, o também circense Luis Franco Olimecha, seu neto. A criação do então Instituto Nacional de Artes Cênicas por Alísio Magalhães, em 1981, incorporando as áreas já absorvidas pelo Serviço Nacional de Teatro – teatro, dança, ópera e circo –, foi o último passo necessário para a consolidação e fundação, em maio de 1982, da Escola Nacional de Circo no Rio de Janeiro.

Um dos principais objetivos definidos por aquele órgão era o de dar continuidade aos ensinamentos da arte aos filhos de circenses que freqüentavam a escola formal. Pelo menos no início do processo. Os professores contratados, em geral oriundos das tradicionais famílias circenses, tiveram que passar por várias fases de adaptações ao trabalhar em um modo de organização administrativa totalmente diferenciada dos circos, com objetivos empresariais. Não confundir a administração da escola com a administração de suas próprias relações circenses empresariais familiares foi uma das questões enfrentadas, além daquelas oriundas de decisões governamentais que, entre outras, envolviam investimento político e financeiro por parte do governo para políticas públicas voltadas para o circo.

Mesmo com vários percalços, a Escola funcionou até 1990, quando Collor tomou posse como Presidente da República e iniciou uma reforma administrativa que, entre outras, teve como alvo também a área da cultura. Diversos professores da tradição circense foram aposentados compulsoriamente, os investimentos foram escassos, não houve nenhum tipo de manutenção do material, a lona apodreceu, e a Escola fechou em seis meses. Somente em agosto de 1991, depois da criação do IBAC, é que ela pôde ser reaberta sob a direção da educadora Omar Elliot Pint, que teve participações no processo de fundação da Escola. Naquele momento, privilegiou-se a indicação de uma pessoa com experiência como educadora e administradora na direção, diferentemente da fase anterior, na qual não havia uma separação da direção pedagógica e administrativa da direção artística. Passo seguinte foi a escolha da direção da área artística, para a qual foi nomeado (nomeação pró-forma, pois não estava previsto em estatuto) Abelardo Pinto, um dos mais velhos e experientes professores da escola e oriundo de tradicional família circense.

Segundo Martha M. F. da Costa, novas instâncias de decisões foram priorizadas, com definições de programas e elaborações de projetos de financiamentos para a sua execução. Em linhas gerais, o plano de trabalho de 1993, elaborado em 1992, era: formação do artista circense e reciclagem para profissionais circenses do Brasil e do exterior. Estes programas seriam executados através dos seguintes projetos: sistematização do ensino da arte circense; desenvolvimento de projetos de pesquisa em história do circo brasileiro, arquitetura e capatazia circense; apoio à criação de escolas ou centros de formação em todo o país; intercâmbio com instituições equivalentes em todo o mundo; e construção e recuperação de aparelhos. Além disso, os encaminhamentos propositivos pedagógicos e administrativos tornavam-se mais claros: a Escola não era apenas o prolongamento da família circense, mas uma instituição cujo “caráter básico era a formação de jovens e adolescentes para enfrentar o mercado de trabalho”, tendo como função realizar a formação profissional de artistas circenses num curso regular de quatro anos. Mais do que repetir a pedagogia da tradição familiar, a direção da Escola deveria ter um “cunho muito mais educacional”, incluindo-a nos calendários internacionais, credenciando-a e credibilizando-a, o que implicava “adequá-la aos mais modernos padrões vigentes no mundo, desde que fossem respeitadas as características culturais brasileiras e as formas peculiares de transmissão do conhecimento”.

Durante todo o processo de criação, abertura, fechamento e reabertura da Escola Nacional de Circo, outras propostas de aberturas de espaços voltados para o ensino das artes circenses estavam ocorrendo; contudo, ao contrário da Academia e da Escola Nacional, eram iniciativas de natureza não governamental. Na cidade de São Paulo, em 1984, fundava-se a primeira escola de circo de iniciativa privada – a Circo Escola Picadeiro, coordenada por José Wilson Leite, de tradicional família circense. E no ano seguinte, na cidade de Salvador, Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki fundavam a Escola Picolino de Artes do Circo. Com relação a esta Escola, há uma distinção importante a ser assinalada: seus fundadores não pertenciam a nenhuma “tradicional família circense”. Anselmo começou dirigindo espetáculos de circo em São Paulo e Verônica fez parte da primeira turma formada pela Academia Piolin entre os anos de 1978 e 1982, sendo que um de seus professores foi Rogê Avanzi, o Palhaço Picolino, que mais tarde deu nome à escola. Portanto, o que se observa é que a Escola Picolino foi a primeira escola brasileira fundada por profissionais circenses que receberam os preceitos de uma geração de artistas de circos que não ensinavam mais debaixo da lona e nem para seus próprios filhos. Eram artistas formados fora do modo de organização do circo-família.

Apesar de terem sido de iniciativas privadas, ambas as Escolas desenvolveram suas atividades voltadas para um público composto por alunos particulares pagantes, mas também para uma população pobre. Seus coordenadores sempre estiveram ligados a parcerias com projetos sociais, que atendiam e atendem crianças, adolescentes e adultos jovens em situação de risco ou excluídos social, cultural e economicamente. Até hoje, e juntamente com a Escola Nacional, são responsáveis pela grande maioria da nova geração de artistas de circo. Após essas experiências, os vários profissionais formados por elas tiveram um papel de multiplicadores da linguagem circense, desenvolvida tanto em seus trabalhos como na própria construção de espaços voltados para o ensino desta arte.

Quando essas primeiras escolas de circo surgiram no Brasil, um dos principais objetivos que motivaram aqueles profissionais era o de dar continuidade à aprendizagem aos filhos dos próprios circenses, que estariam, segundo suas justificativas, deixando de aprender ou de ser ensinados. Entretanto, nos primeiros grupos de professores que lecionavam nas escolas estavam presentes os circenses, que pertenciam, de alguma forma, à tradição. O que de fato acabou acontecendo é que os filhos de gente de circo pouco freqüentavam tais escolas, cujos alunos eram, na maioria, pessoas de todas as idades, vindas dos mais diferentes estratos sociais e com propostas e objetivos também diversos, muitos dos quais se tornaram depois artistas circenses ou de teatro – utilizando a linguagem circense. O processo pedagógico dos vários lugares que se propuseram ao ensino também se diferenciou dos propósitos iniciais daqueles circenses, ou seja, de que a formação tinha como pressuposto que o aprendizado deveria conter as várias linguagens culturais, capazes de estar formando profissionais que iriam se utilizar da linguagem circense nos mais variados espaços de produção cultural.

A entrada dessas escolas, entretanto, não deixa de retomar de certo modo as várias linguagens que já estavam presentes na formação do circense até a década de 1950: exercícios acrobáticos, teatro, música, dança, além da necessidade de se aprender a montar e desmontar o circo, ser cenógrafo, coreógrafo, ensaiador, figurinista, instrumentista etc. Não é, contudo, apenas um retorno ao passado: com as escolas há de fato novos profissionais utilizando-se da linguagem circense, demonstrando o quanto ela dá e permite a possibilidade de criar, inovar e transformar todos os espaços culturais.

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Avaliando superficialmente o ensino nas escolas, percebemos novas características dos artistas formados. Muitos têm conseguido difundir, desenvolver e divulgar a linguagem circense, mais que os próprios circos itinerantes de lona. Esses artistas atuam sozinhos ou em pequenos grupos, sem muito material, e se beneficiam do poder de transitar por locais variados e atingir públicos diversos. Alguns mantêm debates, encontros, produzem festivais e discussões acerca das questões referentes à arte.

Em uma avaliação mais crítica, podemos analisar detalhadamente as formas de ensino nesses vinte e poucos anos. Uma questão relevante é o fato de ter sido voltado essencialmente para o domínio técnico, mais centrado na figura do professor, competindo a ele “transmitir” aos alunos os códigos, conceitos e categorias, além de padrões estéticos, da arte do circo, através de reprodução de modelos e do que eles fizeram durante a carreira artística. Quanto aos conteúdos históricos e fundamentos artísticos, em vários desses processos as pessoas responsáveis pelo ensino técnico ou pela instituição acreditam “dominá-los” e, assim, estar passando-os durante o processo; ou, simplesmente, são relegados.

Esse problema crônico se arrasta até os dias de hoje e atrasa as discussões e avanços nessa área de ensino. Os conhecimentos e saberes ainda se conservam em grande parte sob o poder dos artistas e ex-artistas, com experiência e/ou tradição em circos, que são empurrados para a área de ensino sem possibilidade e oportunidade de capacitação para uma nova profissão. No país, não temos cursos para formação de instrutores, apenas para artistas, fazendo com que este quadro se perpetue, pois a cada dia aparece uma escola ou um projeto social com o tema circo, procurando contratar especialistas circenses para ministrar aulas.

Além da falta de capacitação para o ensino, uma outra questão seria identificar a verdadeira função da escola de circo. O universo da atividade circense se funde, criando uma cultura específica com seus códigos, conceitos e técnicas que, até o aparecimento das escolas, se mantinham ocultos como “segredos” de uma comunidade itinerante. De certa maneira, isso lhe acarretou, ao longo dos anos, um total distanciamento das outras formas de atividades cênicas, no que diz respeito a documentação, discussões nas áreas artísticas e de ensino, além de publicações e pesquisas.

As escolas e os projetos sociais, em sua maioria, pouco contribuíram para o desenvolvimento de um corpo documental que registre tudo o que envolve tanto as experiências vivenciadas quanto a tecnologia de ensino. Tudo ainda é muito parecido ao que se praticava dentro dos circos-família. Entretanto, se não havia uma preocupação de se manter o registro escrito, reforçando o que foi dito anteriormente, aquele modo de organização pressupunha a transmissão oral que não eram somente lembranças pessoais, mas a elaboração de algo que fazia parte do grupo social e familiar. No caso do circo-família, a arte e a vida dos que viviam “debaixo da lona” eram sempre comunitárias, pois viviam e trabalhavam no mesmo local. Nessa relação de vida e trabalho, as famílias “tradicionais” transmitiam todo o aprendizado do ofício legado pelos antepassados. Assim, não se pode imputar à memória de um artista circense como um não-registro e sim, a construção social de um processo de trabalho específico, que é o trabalho circense.

Entretanto, para iniciativas que se propõem pedagógicas e possuem características totalmente diferenciadas no seu modo de organização, é inconcebível manter apenas uma forma de transmissão oral do conhecimento. Isso as transforma em um centro de treinamento com objetivos voltados apenas para os resultados técnicos, deixando de agregar outros valores da atividade ou de fomentar publicações por falta de aprofundamento e reflexões a respeito do desenvolvimento e do ensino da arte. A escola deveria ser um local para a experimentação, para a inovação e para a pesquisa, mas ao longo dos anos funciona como academia ou centro de treinamento.

O ensino de circo enfrenta dificuldades de base na relação da teoria e da prática. Desprestigiados, isolados e inseguros, nossos professores – chamados hoje de “notório saber” – tentam equacioná-lo com formas autodidatas. Acabam focalizando o ensino na preparação física e técnica da arte. Não se quer afirmar que isso é ruim em si, mas ainda é insatisfatório em termos de ensino.

É muito importante refletir que, quando se lida com linguagem circense, a dimensão tecnológica é indissociável da dimensão cultural, pois revela como os circenses construíram sua relação de adaptação. As alternativas e soluções tecnológicas encontradas resultam das referências culturais específicas dos grupos, pois, em última instância, a tecnologia se inscreve, antes, como um tipo de saber. Não é demais recolocar a idéia de que no circo nada é apenas técnico. 4

As experiências de aprendizagem nas escolas de circo e projetos são desenvolvidas quase que de forma acéfala, isto é, sem fundamentos, pensamentos e reflexões. Isso fica claro na formação dos novos artistas: ótimos nas execuções técnicas e capacidades físicas, mas pouco criteriosos nas formas éticas, estéticas, artísticas e culturais da atividade.

A produção circense ficou à margem da intelectualidade artística do país. Em artigo para a revista O Correio, Anthony Hippisley Coxe afirma ter notícia de que existem mais de 16.000 livros sobre circo. 5 Considerando todos esses livros e o muito que se tem falado e escrito sobre o “fantástico mundo do circo” em romances e poemas, filmes, programas de televisão, novelas, pinturas, supõe-se que este mundo ocupe um lugar importante no imaginário social. Entretanto, no Brasil, muito pouco se escreveu e se escreve sobre o circo, até pelo menos a década de 1980.

Mesmo com as influências externas que podem sofrer no decorrer de todo o seu período de existência, é importante uma análise dos movimentos internos do circo, para que se possa ver a construção do circense e então, analisar as transformações históricas, conceituais, arquitetônicas e técnicas pelas quais a linguagem circense vem passando. Essas dimensões têm sido desconsideradas, assim como não se observam os modos como os artistas internalizaram suas transformações, ou como as reelaboram, até mesmo do ponto de vista da conformação do espetáculo circense.

O desafio consiste em fazer pesquisa histórica do circo e circenses no Brasil, que contenha propostas de estudo das técnicas, gêneros, processos pedagógicos, com base em diversas fontes, tais como: oral, jornalística, visual (fotografia, cinema etc.), bibliográfica, memorialística, literatura, entre outras.

As publicações acadêmicas, em grande parte ligadas à antropologia e à sociologia, trazem, em seu conjunto, informações históricas sobre a chegada do circo ao Brasil, sobre o modo como foram se constituindo os espetáculos, suas mudanças, entre outras. Dadas as suas perspectivas teóricas e metodológicas, analisam o objeto na forma com que se apresenta no momento da pesquisa. É interessante observar o momento em que essas pesquisas são realizadas: a maioria é escrita na década de 1970 e início da década de 1980, sendo raros os trabalhos anteriores ou posteriores a esse período. Já a produção historiográfica sobre o circo é mais reduzida ainda.

Com os saberes e conhecimentos desenvolvidos basicamente de forma oral, nossas escolas não criaram legitimidade e nem realizaram um novo saber técnico na área de ensino. Tanto que a atividade não consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino na área da arte sugerida pelo MEC, e a categoria de professor de circo não tem identidade própria, o que acarreta uma falta de legislação e regulamentação da profissão, mesmo com uma Escola Nacional de Circo.

Devido a uma escola sem objetivos e funções claros, há professores sem capacitação para responder às novas demandas sociais e culturais dos que buscam a aprendizagem da linguagem circense. As escolas e os projetos sociais lidam com uma população que, historicamente, se diferencia dos circenses que viviam no circo-família e que ainda vivem nos circos de lona hoje. A prática de ensino, a falta de publicações específicas da área, além do fator importante que é a característica do novo aluno, fazem com que uma parte significativa daquela demanda esteja apenas reproduzindo formas limitadas e reduzidas de entendimento de todo o desenvolvimento do processo histórico da linguagem circense. Disto resulta uma total falta de conhecimento, por parte destes alunos, em especial que a história do circo no Brasil e a atual realidade artística que ele integra são consideradas mundialmente originais e ricas. Pode-se deduzir, do desenvolvimento histórico das atividades circenses no país, que seus artistas sempre tiveram uma capacidade enorme de auto-superação, com grande potencial para a ampliação e aprimoramento de suas formas básicas de estruturação e desempenho, mas que, na realidade, tudo isso não resulta em melhoras qualitativas em termos do ensino.

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A partir dos anos 1990 em diante, inicia-se o processo de identificar a atividade circense como ferramenta pedagógica nos processos de arte-educação. O circo é eleito, e ainda não sabemos quem o elegeu, como um instrumento altamente rico em valor pedagógico e de formação do indivíduo. Com isso, começam a se desenvolver projetos de cunho social, trabalhando com o circo na intenção de inclusão social e de aumentar a auto-estima de crianças e adolescentes menos favorecidos, preparando-os para a vida. Cria-se agora a figura do instrutor de circo, que tem que desenvolver o ensino de técnicas circenses com objetivos específicos diferentes dos desenvolvidos em uma formação artística.

Todos esses projetos são coordenados por educadores e interessados na promoção de capital humano, mas são executados na prática por instrutores de circo formados para serem artistas e, por isso, não generalizando, leigos na prática de ensino e em uma possível promoção de valores éticos, morais e artísticos do processo de ensino-aprendizagem. Cria-se, então, uma lacuna entre os objetivos específicos dos projetos e o entendimento e consciência de uma prática objetiva por esses “instrutores” sem uma capacitação específica.

Já são visíveis as deformações colhidas por esse processo e uma maior reflexão torna-se necessária, para que sejam propostos novos paradigmas ao ensino e desenvolvimento da atividade artística do circo em todos os seus segmentos.

Considerações a respeito do circo como arte-educação

A arte é caracterizada por um tipo particular de conhecimento que o ser humano produz a partir de perguntas fundamentais, tentando compreender o seu lugar no universo, buscando a significação da vida. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é a realidade percebida de um ponto de vista. É a qualidade de comunicação, particular das formas de linguagens artísticas, que distingue o conhecimento artístico de outras formas de conhecimento humano. A forma artística pode significar coisas diferentes, resultantes da experiência de cada um: habilidades de percepção, intuição, raciocínio e imaginação atuam tanto no artista quanto no espectador, situando-se no ponto de encontro entre o particular e o universal da experiência humana.

O movimento arte-educação no Brasil, a partir dos anos 1980, teve como premissa básica a integração do fazer artístico, a apreciação da obra de arte, sua contextualização histórica, além de estudos sobre a educação estética do cotidiano, complementando a formação artística dos alunos. Este movimento permitiu que se ampliassem as discussões sobre a valorização e o aprimoramento do professor, dos conhecimentos e competências da área. Existiam pouquíssimos cursos de formação de professores nesse campo até os anos de 1960, e professores de qualquer matéria ou alguma pessoa com habilidades na área poderiam assumir as disciplinas artísticas dentro da escola.

Foi nos anos de 1990, que se iniciou a utilização do circo como tema para desenvolvimento de trabalho em arte-educação. Desde então, o circo é usado em vários projetos de cunho social e de formação, nos quais são valorizados os conhecimentos técnicos da atividade no ensino da arte circense.

O ensino da arte circense como atividade pedagógica possui valores imensuráveis, pois, além de um completo desenvolvimento corporal, agregam-se valores do conhecimento artístico e cultural. O saber circense ultrapassa o conhecimento técnico e, dentro de uma experiência itinerante e cooperativa, se transforma em filosofia de vida.

Através de um trabalho direto com jovens, o desafio se torna a fundamentação sobre o fazer artístico e os valores culturais que podem ser trabalhados dentro das atividades. A parte prática, que dá a forma e os contornos do trabalho, se traduz em apresentações e na criação de números de técnicas circenses, que acabam sendo privilegiados no processo. Por uma total falta documentação e reflexão, a atividade é resumida em apresentações na qual o modelo seguido é centrado na estética do professor e nas suas experiências.

A aprendizagem é o centro de toda educação. Qualquer que seja o objetivo, ensinar algo a alguém pressupõe uma interação entre estudante, conteúdo e professor. A forma como esta interação é executada depende, em grande parte, da experiência do professor em entender como uma pessoa aprende e quais condições afetam sua aprendizagem. Entender os aspectos do comportamento humano que envolvem aprendizagem e se a maneira como esta ocorre é semelhante ou diferenciada para todos os tipos de comportamento, é um importante ponto de partida para a compreensão do processo de aprendizagem.

Uma classificação muito conveniente do comportamento humano consiste em utilizar as categorias dos domínios cognitivo, afetivo e motor. Alguns autores definem o comportamento no domínio cognitivo como atividades intelectuais. Essas operações mentais – como a descoberta ou o reconhecimento de informação (cognição); retenção ou armazenamento de informação (memória); geração de informações a partir de certos dados e tomadas de decisão ou feitura de julgamento acerca da informação – são consideradas operações componentes integrais realizadas no domínio cognitivo.

O domínio do comportamento afetivo, que inclui comportamentos sociais, pode ser classificado em cinco categorias gerais – receber; responder; valorizar; organizar e caracterizar um valor ou complexo de valores. Já o movimento físico é base do domínio motor, às vezes mencionado como domínio psicomotor, por implicar o envolvimento de um componente mental ou cognitivo na maioria das habilidades motoras. Devido à natureza muito complexa da maioria das habilidades motoras, o desenvolvimento de uma taxonomia no domínio motor não foi tão bem-sucedido como nos domínios cognitivo e afetivo. A classificação de um comportamento em qualquer categoria particular deve estar baseada nas características primárias desse comportamento. Assim, lançar uma bola na prática do malabares, apesar de envolver atividade cognitiva, é principalmente um comportamento motor e é classificado no domínio motor.

Essas categorias de comportamento são úteis para o desenvolvimento de objetivos de instrução que assegurem que as metas gerais da instrução sejam atingidas. O circo possui uma linguagem particular que se utiliza basicamente de habilidades corporais para atingir seus objetivos, tornando esses conhecimentos de importância fundamental no processo de ensino. Talvez por causa dessa característica física da arte do circo, ela é vista e classificada como uma “arte menor” pelas outras formas artísticas, e não entendida pelos jovens artistas que privilegiam estas qualidades físicas e técnicas da arte.

Todos esses fundamentos são importantes para uma prática de ensino consciente, e devem ser norteadores de uma pedagogia para os fundamentos e as técnicas no circo. A situação de risco é uma das formas que o circo utiliza para se comunicar e conquistar o público, mas é sempre executada dentro de normas de segurança rígidas, sem possíveis erros. Medidas de segurança e proteção são essenciais na preparação e condução das atividades dentro das aulas, para diminuir as possibilidades de acidentes. No ensino-aprendizagem da arte do circo a construção desses conceitos, as formas de abordar as técnicas e sua contextualização podem garantir uma formação consciente. Reproduzir modelos dentro de um contexto pode ser até produtivo, mas é muito pouco dentro de um processo de ensino.

Tradicionalmente, os artistas no circo são iniciados precocemente nos treinamentos e nas modalidades mais espetaculares que exigem vigor físico, o que torna a vida útil diminuída. As escolas poderiam pesquisar, aprimorar as técnicas, desenvolver tecnologias de ensino e de espetáculo, potencializar as formas de apresentação e desenvolver o físico e o intelectual dos artistas, aumentando assim sua vida útil.

O campo do ensino em artes circenses tem que ser reconhecido e fundamentado, mas ainda é totalmente inexplorado e carece de estudos e conceituações. Não precisa ser preso só às técnicas, tem que agregar às suas práticas os valores e saberes da arte e cultura circense. Tem que criar noções da importância e do respeito à tradição, da valorização do “fazer artístico” e da apreciação de outras formas artísticas. O circo apresenta características ideais para o trabalho em grupo, discutindo as formas e procedimentos a serem executados, além de códigos de convivência.

Nas capacidades físicas a atividade circense é completa, tornando-se prioritária para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem e de pouco valia nas percepções artísticas. O ensino-aprendizagem de circo deve dosar bem esses fatores com experiências favoráveis para uma formação mais equilibrada.

Infelizmente o movimento que impulsiona uma profissionalização do ensino da arte circense ainda é tímido no país. Alguns dos agravantes são a desconfiança e o desconhecimento dos professores que detêm os “saberes”, dificultando o debate e as discussões em torno do processo e da documentação do ensino.

O reconhecimento de um curso de formação profissional em nível técnico, dentro das exigências do MEC, requer alguns procedimentos que terão que ser revistos, e até criados, para uma regulamentação de um curso em arte circense. Um dos maiores problemas são os professores, considerados “notório saber”, sem nenhuma habilitação formal para o ensino e sem cursos de capacitação. O MEC precisa reconhecer esses professores para que se inicie um processo de legitimação dos cursos de arte circense. Sem isso não conseguiremos aprovar nenhum curso.

Outros fatores são necessários para registro e reconhecimento no MEC. Depois de reconhecido, o professor inicia a formatação do projeto pedagógico e adaptações das dependências físicas. Abaixo seguem os requisitos básicos para uma aprovação de um projeto pedagógico no MEC:

1- Apresentação – apresentação geral do projeto;

2- Introdução – apresentação do projeto dentro de uma justificativa que informe sobre a viabilidade e ações do projeto;

3- Estrutura administrativa da instituição com os cargos e funções dos funcionários e formação dos professores;

4- Regimento escolar – estatuto que regulamenta a escola e seu funcionamento;

5- Proposta pedagógica – o que se pretende com o curso;

6- Perfil do profissional pretendido – habilidades e competências que o curso proporciona;

7- Estrutura curricular – características fundamentais do currículo e de sua abrangência;

8- Conteúdos curriculares – currículo de forma integrada e de complexidade crescente;

9- Currículo do curso – disciplinas com carga horária e créditos para a aprovação;

10- Conteúdo das disciplinas – conteúdos programados para cada disciplina com procedimentos de avaliação e de progressão no curso;

11- Bibliografia – pelo menos um livro de cada disciplina oferecida.

São esses os principais requisitos para aprovação do curso profissionalizante no MEC, e depende ainda das adaptações das dependências físicas da escola para atender a todas as demandas das disciplinas oferecidas. Resumindo, é difícil em artes circenses preencher todos essas solicitações exigidas. Ter-se-ia que criar uma categoria especifica para as escolas de circo dentro da estrutura do MEC. Nos moldes vigentes é quase impossível regulamentar uma escola de circo, e a que pode conseguir é a Escola Nacional de Circo. Mas para isso teríamos de reconhecer os professores, pois não existe escola sem professor!

Ciência do ensino em arte circense

Anatomia e fisiologia básica

Análise dos movimentos – Noções de biomecânica

Noções de treinamento físico

Técnicas básicas

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* Erminia Silva – Doutora em História Social da Cultura pela Unicamp. Tese de Doutorado: As múltiplas linguagens na teatralidade circense. Benjamim de Oliveira e o circo-teatro no Brasil no final do século XIX e início do XX, fevereiro de 2003.

Rogério Sette Câmara – Coordenador e professor da Spasso Escola Popular de Circo – Belo Horizonte (MG).

1. Leopoldo Martineli – “A Decadência da Arte”, in Boletim Mensal da Federação Circense. Coluna: Colaboração dos Associados. São Paulo, ano I, 25 de novembro de 1925, número 7, página 5.

2. Dirce Tangará Militello – Picadeiro. São Paulo: Edições Guarida Produções Artísticas, 1978, pp. 7 e 86-88.

3. Martha Maria Freitas da Costa – Reabrir a Escola Nacional de Circo. Um estudo de caso. Trabalho apresentado para a Ebap/FGV- Rio de Janeiro – Curso Processo Decisório e Informação Gerencial, Cipad 93/94, mimeo. Queremos assinalar que todas as informações referentes ao processo de formação e consolidação da ENC, neste texto, foram baseadas no trabalho desta autora, que não teve como proposta estudar e analisar o desenvolvimento histórico da Escola. Entretanto, chamamos atenção para a necessidade de se produzirem trabalhos e análises sobre este tema.

4. Erminia Silva – O circo: sua arte e seus saberes – O circo no Brasil do final do século XIX a meados do XX. Dissertação de Mestrado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1996.

5. Conforme os títulos listados em Circus and allied arts (Circo e Artes Correlatas), bibliografia de Raymond Toole Stott sobre o circo – COXE, A. H. “No começo era o picadeiro…”, in O Correio da UNESCO Revista mensal. Rio de Janeiro, ano 16, no 3, p. 5, março/1988.

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