10 de dezembro dia do palhaço

Até um tempo atrás, toda criança tinha o palhaço que marcara sua vida. Algumas, pela lembrança do contato direto no Circo, de alguma apresentação que vira e que lhe marcara por tanto riso inspirado. Outras, pelo contato eletrônico da televisão, desde que ilustres palhaços, como Carequinha e Torresmo foram habitar as telas.

Torresmo foi o palhaço que marcou minha infância. Sua figura de 1,50m de altura, caracterizada de forma excêntrica, usava uma casaca e um laço de retalhos coloridos, sapatos grandes, um guarda-chuva exagerado e um largo sorriso pintado. A imagem bastante alegre que perpetuou Brasil José Carlos Queirolo, um cômico do picadeiro tradicional.

Sempre, aos sábados, divertia a criançada, com as gagues e entradas que apresentava com seu filho, Pururuca. A dupla era bem equilibrada e a função de Cron, muito bem executada por Pururuca. As gagues cômicas, as “bolinhas” (as pequenas piadas que se encaixam em vários números) que nos faziam rir, provavelmente eram as mesmas que fizeram as gerações anteriores também rirem, afinal, com dizem por aí: “não existe piada nova, existe escutador novo”.

Mas a maestria com que as encenavam, a fé cênica que imprimiam a elas, davam a credibilidade necessária para que nós, crianças – e tenho certeza de ter visto vários adultos, à época, também – ríssemos e nos surpreendêssemos com cada situação, como se aquilo nunca tivesse acontecido antes, como se cada tirada cômica ou cada tombo estivessem acontecendo pela primeira vez na vida daquela colorida figura.

Pude assistira os dois ao vivo, certa vez, num teatro na cidade de Salto. As impressões se confirmaram. Durante uma hora, Torresmo e Pururuca divertiram as mais de 500 crianças que lotaram a platéia. Foi a primeira vez que vi seres mágicos, que antes só chegavam até mim pela TV, pessoalmente, em carne, osso e alma. Descobri que eles não eram um produto enlatado daquela caixinha eletrônica; eles eram vivos e sabiam falar olhando nossos olhos infantis.

Anos mais tarde, quando eu já freqüentava a Faculdade de Artes Cênicas, tive o privilégio de conhecer Brasil José Carlos Queirolo – o Torresmo! – que foi dar uma palestra sobre sua vida. Contou-nos de sua diversidade de atividades no circo (trapezista, aramista, domador) e de quando iniciou sua vida de palhaço: “Ao pisar pela primeira vez em um picadeiro, aos três anos, logo vi que seria um artista. Fui o primeiro Queirolo a nascer no Brasil, em Espírito Santo do Pinhal. De picadeiro em picadeiro, fui chamado de Fubeca, atuei com muitos palhaços.” (…) “No Brasil, quem introduziu o palhaço tradicional, que usava o sapato grande, o nariz que brilhava e muito mais, além de ter sido o mestre do Palhaço Piolim, foi meu pai Chicharrão. Graças a Deus, me aposentei bem e consegui com a televisão, o meu nome; o que meu pai  levou 10 anos para fazer, em nome do seu reconhecimento, eu fiz em 1 ano de TV” (…) “Não me queixo da televisão, que me deu nome, mas ela não aproveitou nada do circo, em troca de efeitos e luzes” (…) “O picadeiro cansa muito, mas ainda estou preparando minha maquiagem para o ritual de transformação de Brasil Queirolo em Torresmo.” (Depoimento prestado no 1º Encontro de Artistas Circenses da UNICAMP,  no ano de 1989).

Depois de seu depoimento, Torresmo transformou a seca realidade daquele galpão onde estávamos, em magia, quando pegou sua maquiagem e começou a pintar o rosto, na frente da platéia de alunos, ávidos por saber onde, em que toque ou retoque da pintura morava a alma do palhaço. Pronto, levantou-se e veio até nós, um por um, dando-nos a mão e dizendo uma frase, um pedido, que marcou minha carreira artística: “Não deixem o Circo morrer.” Então descobri onde mora a alma do palhaço: nos seus olhos.

Neste Dia do Palhaço, minha homenagem ao palhaço da minha infância, Torresmo.

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