Sempre foi uma experiência memorável trabalhar com alguns atores de teatro em espetáculos de circo. Tive o imenso prazer de dirigir a Companhia do Circo de Paranavaí que com muito esforço e dedicação construímos o espetáculo “Bichos de São Sererê” baseado num poema de Plínio Marcos, relatos e revistas. Os atores que trabalharam na produção deste espetáculo de rua, eram atores que estavam iniciando sua carreira artística, estavam a menos de três anos e alguns trabalharam apenas com teatro de palco italiano, contamos também para esta montagem alguns curiosos da arte que estavam descobrindo o mundo do circo e as delícias dos saberes circenses.
A Companhia do circo de Paranavaí sempre será uma formadora de artistas e acolhedora de idéias; o espetáculo circense tinha a sua história narrada por dois palhaços, que costuravam as histórias e vivências de uma família tradicional de circo e um artista que “vive de passar o chapéu” para ganhar o sustento do dia e tínhamos como palco principal a rua.
Os atores ao começaram a entrar no universo do palhaço, apenas utilizavam os estereótipos do clown, como gestos e articulações que me lembravam Pierrot e Arlequim e colocavam vozes graves, finas recortando algumas personagens e montando a sua personagem como num laboratório que os artistas fazem para criarem. Quando os atores começaram a pesquisar a vida da personagem, para ganhar alguns atributos e preencher algumas lacunas, deram com a face num muro gelado e frio, essa era a minha intenção indiretamente de colocar eles em um abismo onde que para sair tivessem que cavar mais. E algumas partes das “entradas” (gag´s) estudadas não revelavam alguns segredos, como certas manias, vontades, ou seja, a personalidade que o palhaço necessitava de ter a sua marca pessoal e essas características que apenas conseguíamos descobrir ao longo de nossas vidas. Começaram a perceber a profundidade e a inocência de ter uma personagem chamada palhaço e em minha concepção ganharam um grande desafio, eu como diretor tentava direcionar os atores “empurrando-os cada vez mais para o buraco”. Começaram então e entender que o palhaço era algo em construção, um nascer e um criar constante e não apenas como diziam: “uma personagem dentro de um texto dramático analisado e colocado no palco”.
Sentiram a necessidade de um “ritual de nascimento” e criar essa personalidade e sua marca pessoal com o convívio de outras pessoas, até que decidi levá-los as praças, feiras para começarmos assim o nosso jogo do olhar e sentiram o peso que era carregar um nariz vermelho.
Os atores ficaram surpresos ao depararem com a quebra da quarta parede, que para alguns era um espanto, segundo eles o ator não tem uma relação direta com o público, seguindo assim alguns modelos de se praticar teatro. Os atores começaram a sentir que a quebra da quarta parede lhes consumiam cada vez mais e os amedrontavam, construir uma relação com o público um diálogo que seja universal e acessível estava cada vez mais complicado e diferente, como por exemplo, me questionaram:
Isso para o palhaço é um ganho. Comecei a rir e entenderam que o jogo já tinha começado.
Alguns atores pensaram em desistir da produção outros lançaram proposta de criarmos para o espetáculo algo que eles tivessem como segurar nas mãos e levar até o final, como eles deveriam agir do começo ao fim, por que o palhaço era um estereótipo de uma pessoa, algo natural que o humor era contido e que sua obrigação, não era apenas de fazer rir, mas também de chorar, emocionar. Apenas sorri para eles, e sentiram que eu não iria aderir as propostas lançadas.Não aderi as propostas colocadas pelos atores/circenses por que tínhamos a rua que iria ser o nosso palco onde a movimentação da vida e as transformações acontece a todo momento.
Então aos poucos começamos a jogar entravamos dentro de uma sala, e ali passávamos nossas manhãs e tardes de sábados inventando histórias e desvendando mistérios. Começaram a entender através de textos, oficinas e da fala do palhaço Chupetinha em uma entrevista:
nem no teatro eu vejo um personagem da mesma forma, que não é comunicativo com a platéia, vocês tem que colocar o seu outro Eu para fora.“
Após essa entrevista ficaram com esse questionamento deste outro Eu, e como despertar esse outro, será o nosso ridículo? Será algo pessoal? Ou será a criação de uma personagem? Quem é o Palhaço?
Quero deixar claro que estou relatando uma vivência de um grupo de atores/circenses, sinto a necessidade de relatar a memória do circo; já que tiveram como ponto de partida essa metodologia, para estudar a arte do palhaço temos vários caminhos.
O espetáculo seguiu a sua trajetória de apresentações em ruas e cidades, os atores dentro da sua pesquisa entenderam o processo de criação, cada um buscou seguir o melhor caminho, criando uma personagem, inventando o próprio nariz, montando um espetáculo de teatro onde o palhaço não tinha uma continuidade era aquele perfil pronto e acabado, alguns indo para ruas, empresas e outros caminhando para hospitais, desenvolvendo o seu humor, sua forma de andar, falar, cantar, chorar, emocionar; deste trabalho surgiram dois palhaços que ainda estão na ativa a Palhaça NANINHA e o Palhaço LELÉCO que fomentam a pesquisa do clown e a curiosidade de alguns, agora como mestres.
(Bichos de São Sererê)