A renovação do circo e do circo social

A RENOVAÇÃO DO CIRCO E O CIRCO SOCIAL

 

RESUMO: A partir de considerações sobre a renovação do espetáculo na história do circo, são apresentados pontos de vista em relação às infl uências da organização do circo e da fi nalidade dos espetáculos na estética circense. Sublinhando-se que o circo social traz mudanças na fi nalidade do espetáculo, faz-se uma descrição do que é o circo social, de como se constitui e como atua. É realizada uma análise dos fundamentos pedagógicos que interferem na criação do espetáculo de circo social, encontrando-se uma relação com o horizonte teórico dos Estudos da Performance. Conclui-se que o circo social renova a cena circense contemporânea e colabora com os outros movimentos artísticos que destacam a importância da arte e do espetáculo como recursos pedagógicos.

A renovação da cena circense

O espetáculo circense que, até a época romana, estava diretamente relacionado a fatores políticos, religiosos e esportivos, passou a ter um fi m comercial ligado à sustentação dos artistas e suas famílias, tornando-se este aspecto relevante com o surgimento do circo moderno no fi nal do século XVII.

A partir dessa mudança na fi nalidade do espetáculo de circo, é possível evidenciar que, entre o circo antigo e o circo moderno, apesar de permanecer a palavra circo, “[…] a igualdade terminológica não traz consigo a similaridade semântica” (BOLOGNESI, 2003, p. 39). Sem dúvida, a finalidade dos espetáculos e a profissionalização dos artistas no circo moderno, que, como destacado por Silva (1996), era transmitida num contexto familiar de pais para filhos, influenciaram a poética e a estética do espetáculo, além da recepção do espectador e a necessidade de pressupostos metodológicos específicos para a análise do espetáculo.

Visto dessa forma, pode-se considerar que as discussões em relação às mudanças substanciais na estrutura e na estética do espetáculo de circo estão relacionadas também com o modo de organização dos próprios circenses.

Trazendo o exemplo brasileiro, observa-se que, a partir do final da década de 70 do século passado, com o surgimento da Escola Piolin, começaram a se expandir, cada vez mais, as escolas de circo. Estas propiciaram mudanças nos processos de criação e encenação dos espetáculos de circo produzidos, principalmente como consequência do fato de que as escolas de circo incluíram, em seus cursos e espetáculos, alunos que não eram oriundos de famílias circenses, mas que provinham, e ainda hoje provêm, de contextos diferenciados.

Observa-se que a presença das escolas de circo levou a quebrar o vínculo familiar existente entre instrutor e artista, proporcionando novas interações. Assim, além de circos itinerantes e trupes que continuaram a apresentar espetáculos que se aproximam do circo moderno ou do circo-teatro, houve a interação entre diretores e artistas ligados ao mundo do teatro, da dança e das escolas de circo. Estes intercâmbios levaram à montagem de espetáculos que começaram a utilizar a linguagem circense segundo uma vertente contemporânea, na qual as fronteiras entre gêneros começaram perder força.

Costa (1999) chega a confirmar a influência do circo na renovação do teatro brasileiro, nas décadas de 80 e 90, e a produção circense brasileira contemporânea, cujos exemplos pioneiros são os espetáculos produzidos pela Intrépida Trupe desde a década de 80, deixa perceber que esta influência foi mútua.

Este circo contemporâneo, dando prioridade ao aspecto narrativo do espetáculo, foca a dramaturgia num enredo que se constitui por meio da miscigenação da linguagem circense com outras linguagens artísticas.

Distancia-se, desta maneira, da característica fundamental do circo moderno, que, como observado por Costa (1999), concebe um roteiro em que se intercalam números de risco e entradas cômicas, as quais visam estabelecer o equilíbrio entre a tensão e o relaxamento desta tensão no espectador.

Dourado (2007) ressalta que, no circo contemporâneo, é dada prioridade a uma visão global da cena e a um espírito dramatúrgico que se baseia na amarração narrativa, a qual, criada a partir de temas, leva os artistas a representar personagens que influenciam no modo de aproximação da técnica e na criação de cada número.

Na literatura circense nota-se, porém, que a opinião de que as mudanças na organização dos circenses influenciaram a renovação dos espetáculos não é compartilhada por todos os pesquisadores, continuando a ser um ponto de discussão. Existem olhares que indicam o circo moderno como a última renovação do espetáculo circense. Esta visão é frisada, por exemplo, em Silva (2007) quando esta trata das múltiplas teatralidades da linguagem circense e demonstra que a relação circo-sociedade é a base do próprio espetáculo do circo moderno.

Ao se observar o artigo de Bolognesi, Circo e teatro:aproximações e conflitos (2006), é possível notar que ele determina o espetáculo de circo moderno, a partir do final do século XVII, como uma inovação em relação ao teatro contemporâneo, o qual busca, cada vez mais, o antiilusionismo e a interação entre platéia e palco.

A partir dessas considerações, destaca-se que o único ponto compartilhado por todos os pesquisadores de circo, em relação à discussão sobre a renovação do espetáculo ao longo de sua história, está ligado à fi nalidade para a qual o espetáculo é produzido.

Observa-se que, na atualidade, existe um segmento da produção artística circense que traz inovações não a partir da poética e da estética dos espetáculos, mas da própria fi nalidade do espetáculo, a qual não se fecha no aspecto comercial ligado ao conceito de produto cultural.

É esse o caso do circo social.

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