Circo: encontros que produzem encontros

Veja o video realizado pela equipe do Circonteúdo com a Trupe Circo Teatro Guaraciaba

Em março de 2010, a partir da iniciativa da Asfaci – Associação de Famílias e Artistas Circenses, SESC – Sorocaba e de José Rubens Incao, da Biblioteca Infantil de Sorocaba, foi realizado o lançamento do meu livro junto com Luís Alberto de Abreu: Respeitável público… o circo em cena, publicado pela Editora Funarte.

O lançamento foi precedido de um pequeno debate que fiz. No geral foi bom, estiveram presentes várias pessoas, mas o mais importante deste encontro foi a produção de encontros com alguns artistas circenses/atores/cantores e etc. O lançamento do livro foi um mero pretexto para que esses amigos pudessem abrilhantar aquela noite. Para quem os conhece, sabe do que estou escrevendo, pois nestes encontros, a possibilidade de partilhamento das memórias, as produções riquíssimas de suas vidas, as contribuições que deram e dão para uma significativa parcela de artistas oriundos: das itinerâncias da lona, das escolas de circo, autônomos, atores, dançarinos, cantortrus, palhaços, entre muitos outros, estão fortemente presentes, e quando essa parcela de artistas os encontram querem literalmente “aspirarem e beberem tudo o que eles sabem, fazem e ensinam”

Quem são eles: Ediméia Aparecida dos Santos Carneiro da Rocha Camargo; Guaraciaba Malhone Cavalcanti; Hudi Da Rocha Camargo; Iracema Pires Cavalcanti.

Quando a produção da linguagem circense não era regionalizada como hoje, as famílias da maioria destes artistas ocuparam parte do território nacional e latino americano.

Acompanhando o processo histórico do circo, e nesse os passos de alguns artistas circenses, como é o caso destes quatro, é possível compreender o circo como um ofício que abria um leque de atuação dos artistas, convertendo-os em verdadeiros produtores culturais. Sermos conduzidos por suas mãos, de seus mestres e parceiros, permite-nos observar características significativas que compunham o conjunto do trabalho circense e que reafirmam a contemporaneidade da linguagem circense, a multiplicidade de sua teatralidade e diálogo e a mútua constitutividade que estabeleciam com os movimentos culturais da sua época. É possível, assim, lançar novos olhares e questões sobre as complexas relações entre os agentes envolvidos na construção do espetáculo: os circenses; os artistas não-circenses, que se apresentavam nos picadeiros; o público e empresários da comunicação.

Não se pode estudar a história do teatro, da música, da indústria do disco, do cinema, do rádio, da televisão e das festas populares no Brasil sem considerar que o circo foi um dos importantes veículos de produção, divulgação e difusão dos mais variados empreendimentos culturais. Os circenses atuavam num campo ousado de originalidade e experimentação. Divulgavam e mesclavam os vários ritmos musicais e os textos teatrais, estabelecendo um trânsito cultural contínuo das capitais para o interior e vice-versa.

Quando tive a felicidade de saber que os quatro estariam no meu lançamento, combinei com meu marido, Emerson Elias Merhy, que já estava com nossa câmera filmadora, de aproveitamos a oportunidade e gravarmos vários momentos com eles. Destes, duas músicas que eram cantadas em vários circos no início do espetáculo e no final, eu queria muito registrar para que um número maior de pessoas conhecesse ou relembrasse.

Como sempre, eles gentilmente toparam fazer essa gravação, sem ensaio, sem nada. Como artistas que sempre foram.

Para quem não os conhece, abaixo faço uma pequena biografia de cada um deles. Minha principal fonte foi o livro A vida maravilhosa nos Circos-teatros, de Iracema Pires Cavalcante, um livro de memórias que se revela como uma fonte riquíssima para entendermos o quanto estes artistas fizeram e fazem parte da produção do patrimônio cultural brasileiro.

EDIMÉIA APARECIDA DOS SANTOS CARNEIRO DA ROCHA CAMARGO (1)

Nasceu em 10 de abril de 1948, “sob a lona do Circo-teatro Universo, filha de Edna Polydoro e Edson dos Santos Carneiro, o primeiro palhaço Pisca-pica”.

Em decorrência da morte do pai, foi morar no Circo-teatro Guaraciaba, onde cresceu e passou a maior parte de sua vida. Quando jovem tornou-se atriz, sendo que seus papéis sempre foram diferenciados. “Quase sempre interpretava as cínicas ou as prostitutas”.

Em 1969 casou-se com Hudi Rocha, e tiveram um filho Hudson Rocha, o “famoso palhaço Kuxixo”.

Atualmente mora em Votorantim (SP) e se dedica à arte circense, participando de projetos culturais.

GUARACIABA MALHONE CAVALCANTI (2)

Nasceu em 20 de agosto de 1944, em Bragança Paulista (SP), durante temporada do circo do avô materno nesta cidade. Foi filha única de Benedicta Dalva Fernandes Malhone e Antonio Malhone, o palhaço Pirulito, proprietário do Circo Guaraciaba.

O Circo-Teatro Guaraciaba, inaugurado em 1946 por seu pai e Adalberto Fernandes, ficou famoso por seu repertório de peças adaptadas ao circo-teatro, com dramas e comédias que raramente se repetiam e lotavam as plateias a cada apresentação.

Desde criança Guara, como é conhecida, trabalhou como atriz, “entrando no palco pela primeira vez com apenas 15 dias de vida. Na infância e adolescência, representava sempre as meninas sofridas ou apaixonadas”. Em 1961, começou sua carreira como artista principal na companhia. “Seu desempenho era considerado fantástico”, a ponto de ser rotina de fãs comparecerem “com faixas, cartazes e presentes em todas as noites de espetáculo”.

Em 1969, casou-se com Jaime Cavalcanti, e em 1975 os dois compraram e administraram a própria companhia: o Circo Xicuta Show, viajando pelo interior paulista por mais de uma década. Em 1992 Jaime faleceu e Guara continuou trabalhando com os três filhos por diversos circos, até se estabelecer em Sorocaba.

Atualmente, participa da Trupe Circo Teatro Guaraciaba que se apresenta na região de Sorocaba. Guaraciaba vem se destacando como uma das mais antigas atrizes de circo teatro ainda em atividade no interior de São Paulo.

HUDI DA ROCHA CAMARGO/Fedegoso (3)

Nascido em circo, em 22 de setembro de 1939, em Araçariguama (SP), Hudi Rocha foi proprietário de circo logo com seus 16 anos de idade, em 1955.

Versátil, atuou em números de trapézio, malabares, saltos e paradas; é ator, cômico, compositor, cantor dos mais sensíveis e guarda um repertório que, por si só, é toda a história do circo sul-paulista. Passeia com largueza pelas cançonetas, lundus – canções do infinito repertório dos dramas do Circo Teatro, modinhas, chulas. Sua verve maior é a do humorista caipira Fedegoso, seu alter ego, que dialoga muito com todas as plateias.

Como militante da arte, foi vice-presidente da Federação Circense. Fez parte do Conselho Deliberativo da Asfaci, entidade que ocupa, atualmente, o cargo da vice-presidência.

Passou seus conhecimentos artísticos a seu filho, o reconhecido palhaço Kuxixo, que lhe seguiu os passos, pois teve plataforma e lastro seguro. Há tempos, Kuxixo é considerado um dos melhores palhaços em atividade no Brasil, sendo convidado, juntamente com seu pai, a contribuir no desempenho de palhaços do filme O Palhaço, como o ator Paulo José e o diretor, Selton Mello.

Dentre suas atividades artístico-musicais, destacam-se sua participação em várias edições da Semana do Circo de Sorocaba, em sua 14ª edição; das edições da Semana do Circo de Votorantim; das edições da Mostra de Artes Circenses do Interior Paulista e do Encontralhaç@ – encontro de palhaç@s no interior paulista, realizados pela Asfaci.

Foi convidado a participar de palestra para o elenco da novela Araguaia, da Rede Globo de Televisão; participou como ator e foi colaborador de pesquisa no filme O Palhaço, de Selton Mello.

Atualmente, Hudi trabalha como ator, cantor e humorista oficial na Trupe Circo Teatro Guaraciaba, de Votorantim/SP e faz apresentações solo.

IRACEMA PIRES CAVALCANTE (4)

Nasceu em Votorantim, no dia 06 de fevereiro de 1944, quando ainda era Sorocaba. Seus pais: Salvador Pires da Veiga e Jorgina Maria Gertrudes.

Com dois anos, foi adotada pelo casal Leopoldo Pinto e Benedicta Ângelo – “a minha mãe era fanática por circo-teatro”.

Em 1961, aos 17 anos, participou de uma seleção para radiatrizes coordenada pelo radialista Zilá Gonzaga na Rádio Clube – PRD7, e assim conseguiu uma pontinha na novela Alma Cigana. Essa foi a sua iniciação no mundo dos artistas.

Após um casamento e separação, teve uma filha Ivana Aparecida, em 1963. Nesse mesmo ano, teve oportunidade de trabalhar como rádio-escuta na rádio Cacique de Sorocaba. “Escutava e anotava os comerciais que iam ao ar, assim como conferia se saíam no tempo certo.”

Foi naquela ocasião que conheceu Sidney Carbone e passou a participar do grupo de comédias coordenado por ele. Do grupo participavam quatro pessoas: Pinduquinha, Nhá Bentinha, Sideny e ela. “Nossos quadros não iam ao ar, mas eram apresentados para o público de auditório logo depois do programa Domingo de festa, do radialista e comediante Nhô Juca.”

Depois fez parte da caravana desse comediante, que “apresentava seus shows nas cidades da região de Sorocaba. Dessa caravana participavam duplas sertanejas como: Dionil e Dionel, Deolindo e Almeida, Irmãos Divinos, Gérson e Cisne Branco, entre outros. “Por essa época, o Nhô Juca me convidou para ir até o Circo Guaraciaba que cumpria temporada na cidade de Votrantim, para acertar um de seus shows. E foi assim que pela primeira vez entrei no circo que marcaria a minha vida.”

Pouco tempo depois, teve a “oportunidade de ensaiar algumas músicas com Matheus Vieira Pontes – um violinista do circo –, e quando me mostrei apta para apresentações fui convidada para participar do Show de Variedades”.

Em 1965, foi convidada por Pirulito, Antonio Malhone, pai de Guaraciaba, e assim começou a trabalhar para o circo-teatro.

Em 1969 casou-se com Vioblaque Cavalcante, com quem teve dois filhos. Black, como era chamado, nasceu em 1923, numa barraca de circo. Além de palhacinhos fazia: malabarismo, rola-rola, equilíbrio e trapézio. Sua carreira de ator, quando jovem/adulto, incluiu companhias como o Pavilhão Mazzaropi, Circo-teatro Irmãos Valter e Circo-teatro Irmãos Aliciate. Foi adaptador de vários filmes para o circo-teatro, além de ter escrito, na década de 1950, as peças: A noiva dela era ele, E o amor não morreu, Frankenstein contra Lobisomen, Glória de um sonho eterno e Pé de bode.

Em 1979, Iracema e Black foram contratados pela empresa de cosméticos em São Paulo, a Henê Marú de Álvaro Coutinho, que também era proprietário de uma produtora de filmes, a Dail Publicidade e Produções Cinematográficas. Assim, naquele ano, Black produziu o filme Sinfonia Sertaneja, do qual foi diretor, roteirista, montador e coordenador de dublagem. Este filme foi produzido com a participação de vários artistas populares: Nalva Aguiar, Marcelo Costa, Nonô e Naná, Craveiro e Cravinho, Irmãos da Estrada, Geraldo Meirelles e Ivete Bonfá. Iracema e Black participaram como um casal de namorados bem caipiras que cantavam em um determinado trecho do filme a moda Rita e Totonho, composta por Black. O filme foi lançado em 12 de outubro de 1979.

Tem muita história para contar, é preciso ler o livro de Iracema Cavalcante.

(1) CAVALCANTE, Iracema Pires – A Vida Maravilhosa nos Circos-teatros. Sorocaba: Loja de Ideias, 2011, capítulo 29, p. 141

(2) Idem, capítulo 24, p. 123.

(3) Retirado da apresentação da Asfaci – Associação de Família e Artistas Circenses.

(4) CAVALCANTE, Iracema Pires, op. cit., capítulo 38 – p. 183.

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