Coluna 6 – Oficinas de Qualificação do Espetáculo Circense

Tenho a honra de escrever, hoje, sobre o trabalho para o qual fui convidado pela Funarte: fazer parte de uma iniciativa muito bacana, ministrar aulas nas Oficinas de Qualificação do Espetáculo Circense. Mais que preparar qualquer um, essas oficinas visam lembrar os circenses de alguns princípios que, às vezes, podem ter ficado esquecidos no dia-a-dia do circo. Assim, a Funarte propôs aulas (um dia para cada tema) sobre iluminação e eletricidade, direção cênica, confecção e desenho de figurino e expressão corporal. Isso significa uma estada de 4 dias em uma cidade, no mínimo (mais a chegada, entrada no hotel, etc.).

Foram feitas seis oficinas, uma na cidade do Rio de Janeiro (para os circenses do Rio, Minas Gerais e Espírito Santo), uma em São Paulo (para os de São Paulo e Minas), uma em Florianópolis (para circenses da Região Sul), uma em Brasília (para os do Centro Oeste), uma em Recife (para os circenses do Nordeste) e uma em Manaus (para os da Região Norte). Cada uma para 30 a 40 circenses, com o apoio da Caixa Econôminca Federal.

Para atrair os circenses, a Funarte fez convites pessoais, ofereceu transporte (em alguns casos de muito longe, de uma cidadezinha muito pequena em outro estado que não o local das oficinas), hospedagem em hotel, alimentação e ajuda de custo. Ou seja, uma oportunidade única.

A premissa para a proposição dessas oficinas é a de que o circo itinerante brasileiro ou, no mínimo, os pequenos circos itinerantes, estão sofrendo imensamente nestes tempos da globalização. Sofrem, principalmente, como empreendimento econômico, frente às ofertas de opções da indústria cultural. Por isso, tendem a se enfurnar cada vez mais em lugares menores, mais carentes, onde as opções de lazer e espetáculos são mínimas, quando há alguma. E, com isso, não podem cobrar muito (em geral, R$ 0,50 ou R$ 1,00 o ingresso), o que torna a sua própria subsistência difícil. São, em geral, circos familiares, com 4 a 8 pessoas, no máximo, fazendo todas as funções da companhia. O pai, o faz tudo, com alguns filhos e filhas mais bem treinados tocam o espetáculo, às vezes com esposa e noras/genros. Só que, em pouco tempo aquele circo já não provê para todos, já que os filhos, com 20 e poucos anos, já têm filhos e precisam abrir seus próprios circos para tentar alimentar a sua nova família.. Além disso, a Funarte, apoiada em estudos realizados desde a década de 1990, identifica, como resultado desse ciclo, que os pais não conseguem mais ensinar a seus filhos a arte do circo. O ensinamento passado é cada vez mais superficial, distante do que era ensinado há algumas décadas. O que esses jovens artistas empreendedores conseguem aprender com seus pais está longe do que podem, hoje, aprender filhos de circos grandes (esses em melhores condições financeiras e sociais, conseguem aprender o ofício da lona e ainda outro, nas cidades onde vivem ou estudam por algum tempo, às vezes até no exterior).

Com tudo isso, foram feitas as oficinas. Com a ideia de qualificar esses artistas/donos de circos, para que possam circular em cidades um pouco maiores, disputando mercado e fazendo frente a alguns outros tipos de entretenimento populares com um espetáculo um pouco melhor. Para que pudessem cobrar cobrar um pouco mais.

A premissa é impressionante e real. Eu vi isso. Vi as diferenças das regiões do Brasil, vi como os representantes de circos maiores mantém a dignidade (ou a arrogância) em comparação com os representantes do circo muito pequenos, que quase não falam, se sentem inseguros e maravilhados com a oportunidade. Vi como esses circenses têm necessidade de contar um pouco de sua vida, de seu circo, de sua família ou de quem conheceram, como que para se referir ao poder público e mostrar que têm algum valor, que suas vidas já tiveram brilho (já que sentem, em geral, que não têm mais brilho algum).

A maioria dos participantes acompanhou tudo com muito interesse, muito orgulho e dedicação. Alguns, especialmente os que moram nas próprias capitais que sediaram os encontros, faltaram bastante, talvez por terem coisas mais importantes para fazer. E uns poucos apareciam no primeiro dia, recebiam suas ajudas de custo e não voltavam – esses mostram a velha malandragem do brasileiro…

De minha parte, dei aulas de Direção Cênica. Difícil, pois todos os que estavam nas aulas eram pessoas que conhecem profundamente a encenação de seus espetáculos. Tentei chamar a atenção para alguns aspectos da direção do espetáculo (independente do tipo de organização do espetáculo, não importa). As ideias de curva de tensão, trajetória, a relação com o espectador, o sagrado no picadeiro, o conflito que faz parte da cena. Enfim, vários aspectos que, para minha alegria, atrairam a atenção dos participantes e pareceu tê-los inspirado, na sua maioria, a voltar para seus circos e questionar algumas coisas de seus espetáculos, olhando-os com outros olhos. Não sei se isso vai gerar algum resultado. Acredito que a oficina de iluminação, que ensinou, entre outras coisas, as normas de segurança para caixas de força nos circos, deva ser o resultado mais importante alcançado pelas oficinas. Por depoimento do Marcos Teixeira (Coordenador Nacional de Circo da Funarte e resposável pela ideia das oficinas), vários circos tinham caixas de força muito precárias, perigosas até.
Nas oficinas, pude trabalhar alguns jogos cênicos, para acordar e estimular os participantes, falei muito (sobre a história do espetáculo, a relação de espaço circular, artistas de rua, artistas famintos e sobre os princípios que devem nortear a organização do espetáculo) e apresentei a eles videos de números, para análise conjunta e discussão. A partir dos videos, pudemos analisar questões práticas no que diz respeito aos temas abordados nas aulas:

Personagem (e a caracterização gestual), os conflitos (ou dramas, como a capacidade de sobrevivência em cena), a interação com a platéia (o olhar), o espaço (o círculo, a verdade e a relação aberta com o espectador), a narrativa (ou trajetória, começo, meio e fim), a curva de tensão (como não deixar o espectador se entediar), ritmo e fluxo (e as surpresas para o espectador, mudanças de ritmo e de fluxo da trajetória), as transições (de um número para outro) e a unidade (como números diferentes entre si podem fazer parte de um mesmo espetáculo).

Confesso que esta foi uma grande oportunidade para mim, pois me obrigou a organizar o pensamento e as idéias em torno da direção do espetáculo. Esse processo permite que aprendamos com o próprio conhecimento, simplesmente por organizar as informações que já tinha e relacionando-as.

Como tenho vontade de produzir mais textos sobre isso, foi um belo ponto de partida. E me permite a promessa de um texto mais aprofundado sobre a direção circense, para o Circonteúdo. Breve.

Rodrigo Matheus – Outubro de 2010

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