Considerações sobre a estética circense – NuConcreto

NuConcretoRodrigoNa última sexta feira reestreiou o espetáculo “NuConcreto”, direção minha e do Alexandre Roit – respeitado palhaço da nova geração, um dos fundadores dos Parlapatões. Este espetáculo trata de um tema que, aparentemente, nada tem a ver com o universo circense, os estudos do geógrafo Milton Santos. É um espetáculo que usa técnicas de mastro chinês para tratar das relações sociais resultantes da globalização.

Em função do “NuConcreto”, aproveito para começar a escrever sobre o assunto que é, na verdade, aminha especialidade e meu maior interesse: O que está sendo feito no campo da investigação estética circense, no Brasil ou fora daqui.

Sabe-se bem que a história do circo é uma história de mutações constantes, já que o circo é das linguagens artísticas mais permeáveis às influências externas (modismos, músicas, outras linguagens, assuntos de impacto, política, etc.). Desde o início do século XX, quando a União Soviética criou as Escolas de Circo Estatais, vemos a estética do circo se aproximar bastante dos preceitos do ballet clássico, com as pontas de pé e braços alongados sendo sinônimo de boa técnica e de beleza no picadeiro. A pujança dos circos americanos, nos anos 40 e 50, influenciou os circos brasileiros a buscar o máximo de brilho e cores, aliados às belas moças com pouca roupa nos bailados (esta uma influência mais brasileira).

A partir dos anos 70, com o surgimento das escolas de circo (resultado de conjunções político-sociais, do movimento hippie, da contra-cultura, etc.), a dança e o teatro voltaram a ter forte influência sobre o circo que se faz pelo mundo a fora, em especial sobre o circo que se faz nas grandes cidades do mundo ocidental. Nesses, o circo voltou a desejar a narrativa – no Brasil, o circo-teatro que ainda sobrevive foi um marco na narrativa circense; mas esta tem características muito diversas do que se vê hoje na maioria dos espetáculos sobre os quais eu gostaria de me referir. Ou, posto de outra forma, hoje o que vemos é uma releitura contemporânea do circo-teatro do início do século XX, que já utilizava a narrativa nos picadeiros.

Assim, temos hoje no Brasil (e no mundo, em especial nos países de primeiro mundo que contam com boas escolas de circo – como a França, Bélgica, Canadá, Suécia, Inglaterra, Espanha e Austrália), espetáculos que propões ousadias estéticas, experimentos que interferem na maneira como se vê não apenas o circo de hoje nesses lugares, mas também as artes cênicas como um todo. Ou seja, quando o Cirque du Soleil surgiu e começou a fazer sucesso com seu circo sem animais, os circos de todo o mundo passaram a se preocupar mais (não estou dizendo que antes não se preocupavam!) com a técnica do espetáculo – luzes, músicas – e com o acabamento dos cenários e figurinos. Paralelamente, para aqueles cuja capacidade de criação não era o forte, houve tentativa disseminada de cópia, com bons e maus resultados. Quando Peter Brook (renomado diretor teatral inglês) montou uma obra de Shakespeare usando atores trapezistas e acrobatas, em 1969, o teatro redescobriu o circo na Europa. Quando Josef Nadj dirigiu e coreografou o espetáculo “Le Cri du Camaleon” para o CNAC (Centro Nacional de Artes do Circo da França) percebeu-se a potência das técnicas circenses para a dança contemporânea, e vice versa.

Hoje se fazem espetáculos temáticos em todo canto. Espetáculos de teatro, dança e circo. O circo é plataforma para uma infinidade de expressões, envolvendo o cinema, as artes visuais, as performances, a música, etc. E aí se insere um espetáculo como o “NuConcreto”. Um espetáculo de 1h20, onde os atores são circenses (no início, há uma apresentação típica de circo, com uma voz em off falando sobre cada personagem como se fosse o antigo apresentador dos circos itinerantes brasileiros e americanos) e apresentam, um de cada vez, um pequeno solo no mastro chinês; e seguem o espetáculo criando imagens simbólicas. Imagens simbólicas que representam as diferenças e semelhanças entre as pessoas nas grandes cidades. E mostram uma visão de mundo não muito agradável. Isso, aliás, é uma característica desse circo contemporâneo: a possibilidade de não ser ‘agradável’, ou ‘feliz’, como o circo tradicionalmente o é.

Acho que o circo de hoje, esse circo experimental ou contemporâneo, se define pela simbologia de suas imagens.

Se o circo (o espetáculo ou o número) não envolve simbologia, pode ser considerado clássico, na medida em que transmite “apenas” as capacidades técnicas de seus artistas. Explico melhor: a “mensagem” que todo circo transmite, com seus espetáculos ou números, é a da superação, é a idéia de que o ser humano é capaz de superar os seus limites por meio da força, determinação, criatividade e falta de medo (a Alice V. de Castro fala muito bem sobre isso). Só isso já uma sensação, uma “mensagem” fantástica, impressionante e de grande importância. Mas muitos artistas desejaram tratar de outros temas sem, no entanto, abandonar este tema maior. É o meu caso, no Circo Mínimo. Circo nenhum consegue se livrar desse tema maior, aliás.

O espaço

O circo tem uma característica transgressora, quase revolucionária na sua configuração. O picadeiro coloca todos praticamente como iguais. O artista sempre terá alguém diante de si, que o observa, e que é observado. E o espectador sempre terá diante de si outros espectadores, do outro lado do picadeiro. Portanto, ele nunca será levado a esquecer que está em um espetáculo, um lugar de invenção, “de mentirinha”. Ao mesmo tempo, o que se faz no circo é de verdade, o risco é absolutamente real, não é simbólico ou metafórico. Ou seja, o espectador sabe que está em um local de encenação, de espetáculo, mas vê coisas reais acontecendo, e acontecendo para ele. E isso é transgressor, é diferente do teatro dou da dança.

O circo propõe para o mundo das artes cênicas uma relação muito forte com seu público e com o espaço da cena. E essa proposição é importante e deve ser considerada pelos artistas de teatro e dança que pensam o espaço.

No caso do NuConcreto, conseguimos chegar a um espaço muito interessante, ainda que não muito confortável: no espetáculo o público não tem cadeiras, não tem onde ficar. Fica por ali, no palco, rodeado pelos atores, que o pedem para se mover o tempo todo. Isso gera uma sensação de fazer parte da encenação que é muito importante nos estudos do mestre Milton Santos. E é, provavelmente, a melhor característica da obra. Em NuConcreto, o público se vê, também, como personagem. Como acontece, frequentemente, nas esquetes de palhaço tradicionais.

Rodrigo Matheus

Obs. “NuCocnreto” está em cartaz no Complexo Cultural Funarte São Paulo, Alameda Nothmann, 1.158, Campos Elíseos, São Paulo, SP – Telefone: (11) 3662-5177, de quartas a domingos, sempre às 21h, com sessões extra aos sábados às 18h. Os ingressos custam R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia). E fica em cartaz até dia 20 de Dezembro.

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