De amizades, afetos e parcerias. Mestrado de Daniel Lopes – A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872

Eu e Daniel Lopes nos conhecemos de 2006 para 2007, quando ambos participávamos do Grupo de Estudo e Pesquisa das Artes Circenses – CIRCUS. Ele, com graduação em Educação Física pela UNICAMP, realizava diversas práticas circenses como monociclo, malabares, etc.; eu, já doutora, era coordenadora do site Circonteúdo – portal da diversidade circense, entre outros afazeres.

Como Daniel escreveu na sua introdução da monografia, em 2007 o Grupo CIRCUS foi contemplado pelo Prêmio Carequinha de Estímulo ao Circo-Funarte, para para escrever um livro sobre os princípios elementares do ensino das diferentes modalidades circense, que resultou no: Introdução à Pedagogia das Atividades Circenses, sob organização do professor da FEF/Unicamp – Dr. Marco Antonio Coelho Bortoleto.

Em função disso, vários dos capítulos escritos sobre aqueles princípios foram produzidos a partir de diversas fontes: documentais (textos, fotos, etc.) e orais, por meio de entrevistas. Como um dos capítulos tratava sobre a aprendizagem e domínio do monociclo, foi sugerido pela Drª. Erminia Silva, pesquisadora e especialista sobre o tema circo, o nome de Ramón Martin Ferroni, hoje com 85 anos de idade, que atuou como ciclista-acrobata e antipodista das décadas de 1930 a 1980. A indicação deu-se em função de seu parentesco com o mesmo e por ter sido contemplada por Ramón com a doação de todos os seus aparelhos de trabalho. A partir dessa indicação, em setembro daquele mesmo ano, realizei juntamente com o colega Danilo Morales a primeira entrevista com o ilustre artista, em São José dos Campos (SP), cidade onde reside, focando aspectos pedagógicos sobre a aprendizagem do monociclo. 1

Apresentei ao Daniel não só o saudoso Don Ramón Ferroni, mas também sua esposa, minha tia Eli Pires. A partir da primeira entrevista já houve empatia quase que total entre eles. Conhecia Ramón desde minha infância, ele foi artista do circo de meu pai lá pelos idos dos anos de 1970. Devem imaginar a responsabilidade de apresentar alguém de vinte e poucos anos de idade a alguém com mais de 80 anos cheio das manias (como todos nós quando chegarmos nessa idade), inteligentíssimo e portador de uma história de vida circense, como muitos outros circenses brasileiros. Como disse, se gostaram e muito.

O gostar de Ramón e tia Eli foi tão intenso, que não só aumentou a minha própria proximidade, como também o meu gostar deles, cada vez mais; quer dizer, Daniel possibilitou que eu retomasse esses tios queridos de outro patamar, mais afetuoso e, agora, com uma necessidade urgente de registrar suas vidas.

Daniel tinha se mostrado um profissional seríssimo, interessado sempre em aprender e, principalmente, com mergulhos no mundo da pesquisa como poucas vezes tive oportunidade de ver, em especial em alunos oriundos de cursos nos quais a escrita, pesquisa e leitura não são o forte do processo de formação. O mais relevante, entretanto, foi o fato de ter se constituído entre todos nós uma relação de amizade e parceria.

Naquele momento, tive o privilégio que até hoje me toca muito fundo, de ter sido escolhida como donatária dos materiais de trabalho de Don Ramón, para mim algo inimaginável. Conversei com Ramón sobre o Daniel também ser donatário, não houve um mínimo sinal de dúvida por parte dele: concordou imediatamente.

Na sequência, eu e Marcelo Meniquelli que coordenávamos o site Circonteúdo, convidamos Daniel para fazer parte da coordenação. Ele não veio só, trouxe junto sua companheira Giane Carneiro. Marcelo acabou saindo e ficamos nós três, até hoje.

Do encontro com Ramón, fomos contemplados com um projeto para ampliarmos a pesquisa sobre sua vida, no Prêmio Carequinha de Estímulo ao Circo, que resultou em dois produtos: um vídeo documentário Bravo Ramón!; e o Trabalho de Conclusão de Curso do Daniel, acima mencionado, quando pela primeira vez tornei-me sua ORIENTADORA. Desde então nós dois, com nossos companheiros Emerson e Giane, não paramos mais de trabalhar juntos.

E, a partir de 2012, além de tudo o que já fazíamos juntos, Daniel tornou-se formalmente meu aluno na pós-graduação do Instituto de Artes da UNESP – São Paulo, onde sou Professora Voluntária, até este momento. Começou se matriculando como aluno especial e, em 2012 após prestar seleção para ingresso no Mestrado do IA, tornou-se de novo MEU ORIENTANDO.

Já orientava Sarah Monteath dos Santos e o Daniel foi meu segundo orientando. A diferença é que, como fazíamos tudo juntos, com Giane inclusive, desde 2011, no semestre que eu dava aula no mestrado, íamos juntos de carro de Campinas para São Paulo. Até hoje, ele diz acha que aprendeu muito nestas viagens, mas com certeza foi recíproco, prazeroso, bons papos de trabalho/orientação, de família, de amizade.

Disso tudo, resultou esse importante trabalho de pesquisa circense, com certeza inédito: A contemporaneidade da produção do Circo Chiarini no Brasil de 1869 a 1872 (disponível na íntegra em pdf)

O mais gostoso disso tudo, é que no seu processo de constituição como pesquisador sério, na pesquisa sobre a intensa produção circense no século XIX, pegou na mão de Giuseppe Chiarini, fundador do circo em 1856. Sem dúvida, Daniel em toda sua simplicidade desbancou todos os pesquisadores – brasileiros e latino-americanos – que já haviam escrito antes dele sobre o Circo Chiarini, inclusive meu próprio trabalho.

Daniel simplesmente provou que todos nós que trabalhamos com este circo como tema de pesquisa, tratávamos dele genericamente, ou seja, analisávamos do primeiro registro do nome Circo Chiarini, que chegou na América Latina no início do XIX, até o registro do final desse século, como sendo o mesmo, ou pelo menos da mesma família, ou árvore genealógica. Na realidade, o que ele mostrou é uma enormidade de Chiarini’s no mundo, que nós todos, até então, no senso comum, tratávamos como um só.

Nada como ser desbancada pelo próprio orientando e poder participar dessa descoberta. Não é cinismo de minha parte, é admiração e respeito mesmo, pois Daniel comprovou tudo, não com achismos, mas com fontes, muitas fontes que ele pesquisou e descobriu, aliás uma enormidade delas. Descobriu ineditismos das trajetórias do Chiarini e das produções circenses no Brasil e no mundo, no século XIX, mostrando que, com certeza, o Cirque de Soleil ainda tem muito o que fazer para ser tão contemporâneo quanto eles foram. Só uma dica para a leitura: imagine que os Chiarini do período que Daniel estudou viajaram o Brasil, América Latina, América Central e América do Norte, Ásia, África, andando de carroça, barcos, navios e só no final de trem. É fantástico.

Ao escrever e defender essa Dissertação de Mestrado não foi possível colocar todas as fontes recolhidas, pensadas, analisadas. Com certeza quando publicarmos em formato livro, vai estar tudo lá. Daniel é guerreiro, por isso ainda somos coordenadores do Circonteúdo, nadando contra a maré de gente, que ainda considera a produção/pesquisa em língua portuguesa de menor valor, quase um entulho. Mas, estamos convencidos, de que eles não sabem o que estão falando, confundem o falar inglês e francês (quase tudo que vem de lá é bom) como uma fala superior. Coitados, são mesmo é subordinados.

Entretanto, não precisam esperar o livro, pois enquanto isso não acontece, vale a pena ler essa produção como está disponível aqui no Circonteúdo.


1. Lopes, Daniel de Carvalho. DON RAMÓN: Vida e obra nas artes circenses. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física (FEF), Trabalho de Conclusão de Curso, 2010.

Related posts

Introdução do livro Respeitável público… O circo em cena

circon

Circo Mínimo – Processos de transformações no modo de organização do trabalho e espetáculo circense, a partir dos anos 1950

Silva

Entrevista: O circo da fronteira: a Escola Cia da Lona de Corumbá – MS

circon