Erro como escolha, Palhaça Mulher!

Desde de muito novas, nós mulheres ganhamos objetos que nos levam aos acertos.

Aquela boneca linda que mama, que faz xixi, que chora, e que temos que manter linda? Experimenta dar uma rabiscada na cara dela; cortar o cabelo loiro; pintar de esmalte vermelho a boca borrando tudo, fingindo que é batom, para ver como vem toda a família, perguntar o que você tem…

Ganhamos um jogo de panelinhas completo, um ferro e a tábua de passar roupa, a vassoura e a pá. Tudo bem pequenininho, fofo e completo para o serviço não ficar pela metade. Com isso, a vassourinha, o ferrinho, as panelinhas, toda a sociedade, nossa família e nós, acreditamos que estamos caminhando ao encontro da perfeição.

Então passamos pelo comportamento do ajuste:

– Ajusta os modos de sentar, senta como mocinha, fecha a perna (mais tarde a gente aprende que é para abrir a perna).
– Ajusta na educação, menina não fala alto, fala manso e contém a raiva, afinal homens não gostam de mulheres que gritam. Vai ser difícil assim para casar…
– Ajusta nas brincadeiras, não fica correndo que nem uma louca que o laço do cabelo vai cair, vai perder o brincoooo… Menina não brinca com meninos, vai se sujar ou se machucar, depois vai vir chorando… Depois a gente aprende que há certas brincadeiras ótimas, inevitáveis e que sempre valem à pena.
-Ajusta na fantasia de carnaval: Princesa, bailarina ou sininho…

Vem a adolescência e com elas as espinhas, o pânico de ficar gorda, a bunda que cresce, a bunda que não cresce, o peito que cresce, o peito que não cresce, os músculos, a rejeição do 1º amor, a timidez e com isso a demora em perder a virgindade e ficar atrasada em relação às amigas e os amigos antenados e as mais saídas, o cuidado de não ficar com muitos homens e ser chamada de vulgar, de perder a virgindade com “qualquer um”, mesmo que esse “qualquer um”, seja aquele que você escolheu para perder sua virgindade.

Depois vem o casamento, para algumas uma coisa normal e para outras a única escolha de vida e finalmente vem as crias…

Aí desanda tudo. De mulher quase perfeita, viramos a mulher Dona Perfeição. Errar, agora, virou coisa do passado mesmo… Ganhamos mais uma denominação: Mãe.

Porque ao longo da vida, vamos tendo várias denominações que não nos permitem errar: Virgem, Noiva, Esposa, Santa, Dona de Casa… mas quando vem a denominação: Mãe, nos afastamos de vez do erro. Isso na cabeça das pessoas e se deixar na cabeça da criança, que se nasce achando que vai ter uma dona perfeição para cuidar dela, ao ver a mãe vestida de palhaça pela 1ª vez, já entende bem rápido que tem uma mãe diferente. Que vai ser uma aventura fascinante e muitas vezes não tão fascinante assim, ter uma mãe de nariz vermelho ao lado. Porque são crias que desde de muito cedo, se deparam com o lado preconceituoso da profissão em relação a sociedade.

Em contra partida, e é a que sempre saem ganhando, elas dividem as dificuldades das etapas de cada idade, com uma mãe muito mais flexível, mais tolerante e com um olhar muito mais divertido aos problemas.

Mãe/Palhaça, a princípio uma dupla que poderia não funcionar aos olhos mais convencionais, mas estamos certas de que temos a dádiva de dizer aos nossos/as filhos/as que se familiarizem com os seus erros, que a verdade e a superação estão lá.

Algumas mulheres entendem que errar é humano, ou melhor, aceitar o erro é humano. E escolhem ser palhaças, bobas, ridículas, pintam a cara do jeito que querem, se vestem do jeito que querem, falam do jeito que querem, andam do jeito que querem e assim desconstroem toda aquela perfeição que é ensinada lá trás.

Nós palhaças assumidas, aprendemos a ver a vida com verdade e com isso respeitar nossos sentimentos, aprendemos a tropeçar, a cair e o melhor: rir quando estamos no chão, pois é essa risada que nos levita para ficarmos em pé e seguir….cuidando da casa, dos filhos/as, das contas, refeições, lavar, pendurar, resolver solicitações de vizinhos e parentes, amamentar, saber sempre aonde a filha/o está, namorar, ver amigos, cuidar dos bichos e plantas da casa, cuidar da escola da criança, cuidar dos projetos, da carreira, da sobrevivência…

Como palhaças, aprendemos a dignidade do erro, a oportunidade do esvaziamento das emoções, de vivermos todo o sentimento até o fim, de sermos nós mesmas ampliadas, por isso vivermos a nossa totalidade.
Finalmente, nos tornamos humanas e risíveis.

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