Escrita Cênica Circense

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O RENASCIMENTO DO CIRCO (1919)* 🤹‍♀‍🤸‍♀️
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Por Vsévolod Meierhold (Rússia)
Ator e Diretor Vanguardista
e um apaixonado pelo circo.
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No dia 17 de fevereiro, na sala da União Internacional dos Artistas de Circo, N. Foregger fez uma exposição sobre o tema “O renascimento do circo”. Para ele, não há fronteiras entre o circo e o teatro. O teatro e o circo são “irmãos siameses”. Elementos teatrais irrompem no circo, e o circo aspira impregnar com seus sortilégios o domínio do teatro. Foregger lembrou que na Espanha do século XVII, um cão adestrado passeava entre os espectadores no teatro, e que na época elisabetana um funâmbulo fazia a ligação entre os atos de Hamlet. Foregger conclama os atores, cenógrafos e encenadores contemporâneos a trabalhar no circo, reino da destreza e da “eloquência do corpo”. O circo também conhece a mesma “crise” sobre a qual debatemos violentamente, há pouco tempo, a propósito do teatro. Também no circo é tempo de começar a empreender reformas. Foregger convidou os homens de teatro contemporâneos a criar para o picadeiro “milhares de pantomimas e espetáculos feéricos extraordinários”, uma música potente e dinâmica, um figurino novo, a aperfeiçoar o cenário, pintar as celas dos cavalos, etc. Acredita que somente os homens de teatro são chamados a reformar os espetáculos de circo. No final da exposição, tínhamos a seguinte situação: de um lado, o teatro do drama, “teatro das grandes paixões”, do outro, o circo, “teatro da alegria despreocupada”. E a conclusão terminava no sonho de um teatro-circo.
A exposição do camarada Foregger suscitou uma violenta crítica do camarada Meierhold que interveio como contraditor único. Segundo o camarada Meierhold, o circo não deve ser reconstruído sobre princípios que lhe sejam estranhos. Sua reforma deve nascer do interior, ou seja, dos esforços dos próprios artistas de circo, pois não há e nem deve haver teatro-circo. Esses dois elementos existem e devem existir cada um por si: circo e teatro. As criações dos mestres do circo e as dos mestres do teatro realizam-se e devem realizar-se no contexto das particularidades arquiteturais de dois espaços cênicos diferentes e de acordo com leis que estão longe de serem idênticas.
A bem dizer, o teatro e as variedades, introduzindo no circo alguns de seus elementos, fizeram e ainda fazem muito mal à prosperidade da arte do circo enquanto tal. A bem dizer, o circo, nas mais teatrais das épocas teatrais, contribuiu fortemente para a prosperidade da arte teatral enquanto tal (particularmente no antigo Japão, e na Itália da época da commedia dell’arte). Entretanto, para reformar tanto o circo contemporâneo quanto o teatro contemporâneo, é necessário criar condições tais que a arte do circo e a arte do teatro possam desenvolver-se cada uma em seu campo, seguindo linhas paralelas, e não secantes.
Sabemos, disse o contraditor, o que aconteceu recentemente, quando Moissi e Iurev introduziram-se na pista circular do picadeiro. O circo, sem que se saiba porque, permaneceu inativo enquanto aconteciam as representações trágicas, mas os espetáculos dirigidos sobre o picadeiro pelos encenadores da moda revelaram-se indignos de serem apresentados sob o capitel de um circo, que exige de todos que ali entram uma maestria particular.
Como fazer então?
Os artistas de circo não têm nada a aprender nem com os atores nem com os encenadores do teatro dramático. Se o teatro contemporâneo deve se impregnar de elementos acrobáticos, isto não quer dizer absolutamente que se deva fundir as representações de circo e de teatro em um espetáculo de um novo tipo, em um espetáculo de teatro-circo à Foregger. Esta proposição sabe-a amadorismo.
Sim, o ator contemporâneo deve lembrar-se constantemente que Motchalov, evidentemente, havia compreendido de certa forma os segredos da acrobacia, pois era capaz de maravilhar o público e os críticos de sua época com seus saltos excepcionais no teatro na cena do canto do galo, em Hamlet. É preciso lembrar constantemente ao ator de hoje que o teatro do antigo Japão não permitia que ninguém se tornasse ator trágico sem ter passado primeiro pelas escolas de acrobacia e de dança.
E o camarada Meierhold coloca uma tese oposta à de Foregger: não é com um teatro-circo que devem sonhar os reformadores contemporâneos do circo; mas que, antes que o artista escolha um desses caminhos, teatro ou circo, ele deve passar desde sua primeira infância por uma escola especial que o ajudará a tornar seu corpo flexível, belo e vigoroso; e isto não somente para o salto-mortale, mas para qualquer papel trágico (recordemos o jogo de Sadda Yacco e de Ganako).
O ator contemporâneo que morre em cena utiliza a convulsão, ato curto, tedioso e pouco expressivo, de um naturalismo assaz primitivo. Mas eis como morria em cena um ator do antigo teatro chinês: ferido no coração, o ator projetava seu corpo no ar como um equilibrista, e somente depois dessa “brincadeira própria ao teatro” ele se permitia desabar como um bloco sobre o espaço cênico.
O camarada Meierhold acha que é necessário criar uma espécie de escola artística e acrobática, cujo programa deve ser construído de tal forma que o aluno, ao final dos estudos, seja um adolescente são, flexível, hábil, forte, arrebatado, pronto a fazer uma escolha de acordo com sua vocação: o trabalho no circo, ou o teatro da tragédia, da comédia, do drama.
Texto completo em nossa página no FACEBOOK: Escrita Cênica Circense
*** Para compreender melhor o pensamento de Vsevolod Meyerhold, se faz necessário ler mais sobre o seu processo de criação.
TRADUÇÃO: (Tradução para o português de Roberto Mallet da versão original em PICON-VALLIN, Beatrice. Vsevolod Meyerhold, Escrits sur le theater, vol. II. Paris: La Cité – L’Age d’homme, 1975.)
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FONTE: FERREIRA, Marcos Francisco Nery. A metáfora do bogatyr: o corpo acrobata e a cena russa no início do século XX. Dissertação (Mestrado em Artes) – São Paulo: 2011.
*FOTO:* A Morte de Tarelkine (1922) in PICON-VALLIN, Beatrice. A cena em ensaios. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 9.
🎪 *ARTISTAS:* Atores e um acrobata aéreo na encenação de Meyerhold.
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