Espaço para o Circo Paulistano ou a Central do Circo

Na última coluna para o Circonteúdo, falei da necessidade que grandes centros (no caso, São Paulo) de produção artística (em especial, circense) têm de encontrar espaços para treinamento, exercício da profissão, criação, troca de experiências. Bom, primeiro, todo artista precisa de um espaço para exercer sua profissão. Como, aliás, todo profissional. Os artistas plásticos investem, em início de carreira, em ateliers, locais onde possam fazer a “bagunça” necessária para sua criação. Grupos de teatro investem nos contatos que têm, para conseguir salas de ensaio, seja onde for (praças públicas, terrenos baldios, escolas no final de semana, quartos sem uso, casas da família, espaços públicos, etc.), e os circenses, quando não moram no circo (itinerante ou não, mas em geral de lona e com treilers), procuram os amigos ou conhecidos que têm um local para a prática de suas técnicas. Assim, escolas de circo são, da mesma forma que os circos em atividade, locais alvo para os artistas que precisam se exercitar.

Há uns 20 anos que, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e outras cidades, surgiram grupos de circo que não pretendiam itinerar, como era o modelo vigente até então. Eram pessoas que queriam ficar nas suas cidades, ter uma sede fixa para suas atividades. Em função disso, vários locais ou espaços foram adaptados para absorver a necessidade de cada um desses grupos e artistas (e aí se incluem os inúmeros artistas itinerantes quando se vêem, em algum momento, sem trabalho e sem local de treino). Em São Paulo, um dos espaços que surgiram foi a Central do Circo, em 1999, depois de muitos outros, em especial a Academia Piolim, o Circo Escola Picadeiro e o Galpão do Acrbático Fratelli. A Central do Circo surgiu com a ideia de unir forças de diversos grupos que tinham necessidade de um espaço mas, individualmente, poderiam apenas alugar um pequeno imóvel e aparelhá-lo mal. Partindo desta premissa, mais de 30 artistas se dispuseram a pagar uma mensalidade para serem sócios de um espaço comum, coletivo, que tinha muita altura, muito equipamento (colchões, piso de madeira, trapézios, cordas, tecidos, petit volant, trapézio em balanço com lonja, camas elásticas, material de malabares, aparelhagem de som, etc.) e muita gente em torno.

Em geral, um grupo de dois ou três artistas não consegue pagar muito mais que uns R$ 800,00, R$ 1.000,00 por mês para alugar um espaço de treino e guarrda de material. E por esse valor, em geral se consegue alugar um galpão minúsculo, com 4m de altura, uns 4m x 8m de área, e sem equipamento. Se o grupo consegue se cotizar e pagar R$ 300,00 cada indivíduo, juntamente com mais 20 pessoas pagando o mesmo, consegue-se um valor aproximado de uns R$ 6.000,00 mensais, pelos quais se consegue alugar um belo espaço. E, juntando o trapézio de um grupo com o colchão do outro, o petit do outro e os malabares do outro, têm-se quantidade admirável de material e equipamento. Além disso, ninguém usa um espaço de treinamento em período integral, em apenas três ou quatro pessoas. O espaço apresenta, em geral, alta taxa de ociosidade. Ou seja, acreditamos que era um bom negócio, do ponto de vista financeiro monetário.

Então abrimos a Central do Circo, em 1999. O Circo Mínimo (grupo que eu fundei em 1988), o Linhas Aéreas (fundado pela Erica Stoppel e Ziza Brisola, em 1999, se não me engano) e o La Mínima (criado em 1997, por Fernando Sampaio e Domingos Montagner) forma os grupos que tomaram a iniciativa de alugar o espaço e responsabilizar-se por este, assumindo sua adiministração e gestão, na forma de diretoria da Central do Circo. Mas a Central foi formada por muito mais gente. Abacirco, Circodélico, Le Plat du Jour, Amarillo, além de inúmeros artistas independentes ou duplas passaram pela Central, se utilizando de sua estrutura para treinar, criar, aprender e pensar o circo.

Mas a Central teve outro diferencial, descoberto na verdade ao longo de sua existência: ali era possível treinar junto com outras pessoas, e com isso podia-se melhorar sua técnica, seu estilo, ter outros olhos para a quilo que, de outra forma, o artista faria sozinho, até a hora da apresentação… Na criação de algo que é, por definição, coletivo, é fundamental a presença de outros artistas de nível semelhante ao seu, para que haja debate. A discussão, em torno de técnicas, em torno de maneiras diversas de se alcançar o mesmo objetivo, leva à maturação de todos. Mesmo quando se trata de grupos de estilos muito diversos, como até mesmo os três da diretoria, um acdaba infuenciando o outro, nas áreas que cada um tem maior carência. Assim, a limpeza e acabamento coreográfico do Linhas Aéreas influenciou vários grupos e artistas. O humor técnico e acrobático do La Mínima, assim como as ousadias circo-teatrais do Circo Mínimo, foram usadas como inspiração par muitos grupos, além das trocas entre eles mesmos. E os outros grupos também, por sua vez, exerceram influência nos diretores, num processo de auto alimentação constante. Quando, em 2002, nos mudamos para a Lapa em São Paulo, o espaço passou a atrair diversos viajantes do mundo circense internacional. Artistas da Argentina, Peru, Chile, Porto Rico, Colômbia, Espanha, Bélgica, Canadá, França, entre outros, passaram pela Central por períodos diversos de tempo, deixando suas técnicas, opiniões, estilos e questionamentos. E levaram os nossos.

Além de tudo isso, a Central permitia aos grupos e artistas treinar em condições mais apropriadas, como altura,lonjas e colchões para os números aéreos, piso de madeira para acrobacia, e etc. E permitia também a guarda de material. É inviável se transportar o seu trapézio para cada lugar que se vá treinar. O artista acaba treinando menos. Da mesma forma, quando há o espaço, os espetáculos passam a poder ter cenário. A precariedade do teatro de rua não é mais uma obrigação, pode ser uma opção. E, por fim, a Central passou a chamar a atenção de empresas interessadas em contratar profissionais para eventos, espetáculos, cursos e aulas, filmes e gravações. Na Central havia grande variedade desses profissionais.

O profissional de circo é diferente dos das outras áreas artísticas. Não basta que ele se insira no mercado, pois o mercado quer aqpenas o que o artista já tem de pronto. O mercado tem a capacidade de engessar o artista, não lhe permitindo evoluir em áreas desconhecidas (exceto em raríssimos casos de oportundades multidisciplinares).

Hoje, o Tendal da Lapa, local que tenho frequentado bastante em função da parceria firmada com o CEFAC, tem recebido um número respeitável de artistas, que têm se beneficiado da quantidade para encontrar qualidade. Muitos têm começado a estabelecer canais de troica de conhecimento bastante interessantes, que acabam gerando produção de fato. Mas o espeço tem grandes limitações, seja pela falta de responsabilidade pelo aparelhamento, seja pela falta de interesse de seus administradores em se criar uma situação mais acolhedora e produtiva para os artistas circenses.

Em geral, as escolas de circo cumprem esse papel nas cidades. Mas elas o fazem na fase de formação do artista. Quando o poder público investe em escolas de circo, está investindo no mercado a longo prazo, na formação de qualidade para os artistas do futuro. E assim elevando o nível geral do circo na cidade, estado e país. Porém, o investimento na formação não basta! Grandes capitais necessitam de espaços para seus profissionais. Na Europa, em 1987, fiquei de queixo caído ao ver, na cidade de Utrecht, na Holanda, um hall público (da Prefeitura) todo equipado par a prática circense, de maneira que seus dez ou doze artistas tinham onde treinar e manter suas capacidades de conseguir trabalho. Além disso, a Prefeitura entendia que a cidade não oferecia trabalho na área daqueles profissionais e os sustentava com um “salário desemprego” e procura de possibilidaddes de inserção profissional. Ora, na Europa, na época, o governo conseguia ver o seu papel mesmo em áreas que não conhecia, ou dominava. Cabe aos governantes brasileiros entenderem coisas semelhantes. Os artistas não podem se sujeitar ao mercado. Se assim for, em pouco tempo só faremos circo no padrão Cirque du Soleil.

Cabe ao governante entender o que a especulação imobiliária está fazendo com o circo nas grandes cidades, inviabilizando os espaços para o circo itinerante e impedindo as iniciativas particulares no sentido de prover à classe espaços coletivos de experimentação.

Há já 3 anos tento convencer a Secretaria de Estado da cultura para essa necessidade. E a burocracia é muito mais poderosa que eu. No momento, o Sr. André Sturm, coordenador da Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural da SEC, me solicitou que aguardássemos a troca do Secretário da Cultura. E, naturalmente, este é um ano eleitoral, de onde não se tira muito mais que promessas. Mas, por trás disso está a falta de entendimento de que esse espaço é fundamental para a categoria. E deve ser uma das bandeiras dos militantes às causas circenses junto ao poder público, nas diversas instâncias.

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