MÃE, QUANDO EU CRESCER EU QUERO SER PALHAÇA!!!
Roda Saia de Palhaça – Crítica teatral.
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Uma das grandes dificuldades das mulheres serem palhaças é conseguir pegar esse arquétipo de energia e características tão masculinas e encontrar, nele,a manifestação das necessidades de empoderamento e fortalecimento do feminino sem, no entanto, perder a essência dessa arte milenar.
Mulheres na linha genealógica da palhaçaria não são novidade e isso é um dos fatores que precisa ser abordado pois as poucas mulheres que estiveram nesse espaço foram apagadas, esquecidas, relegadas ao esquecimento por uma história que é contada por homens.
A pouco, vimos o excelente curta doc “Minha avó era palhaçO!”, que resgata a história de uma palhaça do século passado e, se não fosse por sua neta, desapareceria da memória circense.
Ouvi, de algumas pessoas, a história – sem detalhes, sem textos, sem divulgação – de uma palhaça que poderia ter sido a primeira palhaça brasileira, a “Passarela”, de quem nada mais sei, a não ser esse nome.
Entre os krahôs, tribo brasileira, o grupo de hotxuás – que se encaixam nessa genealogia do arquétipo clownesco – apresentam uma única mulher que, pelo que nos mostra a história, está fadada a ser a última hotxuá mulher e, assim, desaparecer sem deixar representante.
Da Idade Média, sabe-se que Maturina era uma “boba da corte”, do príncipe Enrique VI e que, antes dela, mas servindo a princesas e mulheres da realeza, outras existiram: outras.
Faço esse longo prólogo para mostrar que ser palhaça – como ser mulher – não é fácil. Não há uma senda clara, um caminho a ser seguido. Conheço ótimas palhaças – brasileiras, estrangeiras, mineiras e muitas com trabalhos lindos mas, por ser senda tão precária, também vi muitos espetáculos que se perdiam no discurso de temas femininos sem, no entanto, alcançar a essência clownesca: fazer rir (de uma maneira específica, mas, enfim, rir).
E a “Roda Saia de Palhaça” conseguiu, num domingo a tarde, com crianças, adultos, famílias e transeuntes, levar o ar da graça das palhaças às sendas da palhaçaria, alçando o universo feminino aos paradigmas da humanidade como um todo. Parece algo filosófico, mas é mais do que isso: é algo ridículo!
Mulheres, atrizes e palhaças “empoderadas”, para usar o termo da hora, palhaças que se revezavam em cena mostrando suas fragilidades, suas feminilidades, sua arte, seu modo de fazer rir e de ser risível.
O espetáculo, feito por uma junção de gags – uns mais, outros menos originais – já, no seu começo, provoca o riso das situações do universo feminino e das questões mais diversas – mas reconhecíveis em nosso dia a dia: os cincos minutos mais preciosos de nossa vida, a bailarina que descobre o ritmo dos seios, a luta entre irmãs, a magia da sedução, a roupa que não nos serve ou a dificuldade em escolher uma roupa que nos faça bem, a amamentação em local público, a música de protesto.
Do singelo ao elaborado, do individual ao coletivo, do poético ao político e tudo isso junto.
Um espetáculo de pura palhaçada, que mais do que nos provar que mulher pode ser palhaça, nos faz rir das palhaças e dizer que, definitivamente, uma palhaça pode ser o que quiser porque o público também quer.
É, enfim, sempre bom ver palhaços e palhaças – ainda mais de rua, ainda mais com a roda bonita que elas receberam. É sempre bom ver um bom espetáculo, que nos faça rir, pensar, se chacoalhar e que nos faça perceber que a profissão de ser palhaço continuará pelo mundo, apesar e por, nos dias atuais, o ser humano sofrer perseguições de seus diretos, desejos, sonhos e liberdade.
Com certeza, com as palhaças fazendo bonito, vamos escutar meninas dizendo
– Mãe! quando eu crescer eu quero ser palhaça!.
E serão bem vindas!
Um grande viva aos palhaços do mundo e a toda a diversidade que nos cabe.
Meus aplausos para Adriana Morales (palhaça Benedita Jacarandá), Dagmar Bedê (palhaça Titica), Daniela Rosa (palhaça Rosa), Lori Moreira (palhaça Lorota), Elisângela Souza (palhaça Penicilina), Jessica Tamietti (palhaça Espiga), Lud Benquerer (palhaça Provisória), Mariana Carvalho (palhaça Esmeralda), Luciene Souza de Oliveira (palhaça Luba), Luíza Fontes (palhaça Gardênia) e as gêmeas Thais Oliveira (palhaça Maisena) e Lais Oliveira (palhaça Figurinha).
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OBS.: Publicado no facebook do autor