Para quem conhece Alice Viveiros de Castro, não há dúvidas da importância da publicação de seu livro O Elogio da Bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Desde 2005, ele se transformou numa das principais referências bibliográficas, notas de rodapé, citações, etc. Agora, nessa nova etapa midiática, disponibilizado com exclusividade para publicação on line em pdf no Circonteúdo, a autora, minha amiga e afilhada, reafirma seu papel em prol do circo, e, principalmente, sua alma educadora.
Para aproveitar a divulgação do livro, O Elogio da Bobagem, realizamos uma entrevista com Alice na Escola Nacional do Circo, em 2013. Todas as entrevistas que nós, equipe do Circonteúdo, temos realizado com circenses, são verdadeiras aulas, cursos de formação político/afetiva em prol do circo e circenses. Com a Alice é a mesma coisa. Sugiro que os arte-educadores circenses de qualquer linhagem – de circo itinerante de lona, de escola de circo, de circo social, de escola de circo de garagem, galpão, fundo de quintal, das praças, das ruas, dos grupos e trupes de artistas (autônomos e autodidatas) das academias de ginásticas –, coloquem este vídeo para assistirem e aprenderem. O que? Tudo. Tudo e muito mais que a sensibilidade de cada um permitir.
A trajetória artística e militante de Alice só confirma isso. Ao observarmos um pouco seu currículo, vemos: atriz, diretora de teatro, especialista em circo – se autodefinindo como acrobata mental. De acordo com sua apresentação foi também: vedete de teatro de revista com Luiz Mendonça, contra-mestra do Pastoril, comediante de televisão. Abraçou o circo em 1979 quando conheceu Gugu Olimecha, Oscar Polydoro e Labanca.
Enquanto militante sindical foi Conselheira do antigo Inacen representando os circenses e virou pesquisadora e especialista em circo. Trabalhou na Funarte, deu (e dá) aulas na Escola Nacional de Circo, e muitos outros espaços de formação, foi jurada do Festival de Circo de Wuqiao (China), coordena diversas pesquisas junto a grupos de várias origens artísticas, organiza as seleções de artistas para o Cirque du Soleil, é uma das fundadoras do Comitê pró-criação da Associação Nacional de Pesquisadores de Circo, foi representante do Circo no Conselho Nacional de Política Cultural e parceira/cúmplice de todos aqueles que adoram a arte das proezas e das bobagens.
Nós, pesquisadores circenses, temos a necessidade de nos cercarmos de fontes, sejam elas bibliográficas, fotográficas, causos, relatos, discos, partituras, jornais, revistas, catálogos, memorialistas, entre muitas outras coisas. No fazer de Alice e no seu livro isso sempre esteve claramente presente, pois além de seu amor pelos circenses, seu trabalho junto à antiga Fundacen e à Funarte, inseriu-a no meio de um dos maiores centros de documentação sobre o circo, que é a Biblioteca da Funarte, na Rua São José, 50, no Rio de Janeiro.
Agora, falando do livro propriamente dito. No O Elogio da bobagem, o que mais se encontra é a aplicação de todo este conjunto de experiências vividas pela autora, que coloca em prática uma boa dose de seu acervo documental, misturado com diversas entrevistas, causos e memórias. E esta mistura produz um resultado positivo e interessante. Isso, por si, já entra em contradição com certo senso comum que existe entre jornalistas, pesquisadores e até mesmo estudantes que afirmam que, no Brasil, ou não se tem nada escrito sobre o tema, ou são apenas memórias, textos baseados “meramente” em fontes orais.
A partir da reunião de diversas fontes, Alice consegue fazer uma discussão direta com alguns autores que escreveram ou escrevem sobre o tema palhaço. Debate com eles os mitos de origens, ou seja, o fato de privilegiarem as experimentações de procedências européias, americanas e russas. Eles não só têm apenas como referência toda uma bibliografia estrangeira sobre o tema, como descrevem detalhadas biografias de artistas daquelas origens, desde século XVIII até o XX. Uma das questões que a autora levanta é o problema de que são unicamente a partir dessas leituras que muitos olhares sobre as produções dos personagens clowns/palhaços foram e são construídos pelos diversos grupos artistas e pesquisadores.
Desde a década de 1980, existe uma expansão de produções, acadêmicas ou não, voltadas para as histórias dos circos no Brasil, como também em toda a América Latina. Estas histórias têm características singulares que as diferencia das histórias de outros lugares, principalmente nas formações e atuações dos artistas que se tornaram palhaços. Isso não quer dizer que Alice não estude os artistas que criaram seus palhaços em outros países, e que tiveram uma contribuição importante na produção dos artistas brasileiros, mas isso não se confunde com dizer que eles foram “os únicos modelos” copiados.
Com o livro fazemos uma viagem no tempo, na qual a autora desenvolve um processo de costura das várias máscaras do palhaço. Ao afirmar que ninguém é dono de nada, revela a multiplicidade, diversidade e as várias possibilidades em aberto que estas máscaras foram experimentadas, seja em 1500 como em 2006. Esta viagem nos fala do riso como instrumento sagrado, afugentando os maus espíritos e aproximando homens e deuses; dos palhaços sagrados da Índia, da África, da antiguidade e dos índios americanos. Conhecemos o Danga, pigmeu da África central, perito em mímica e danças grotescas que alegrava o coração do faraó em Tebas; os chineses que faziam rir o povo e o Imperador; parasitas nos orgias gregas; stupidos e cicirrus em Roma. Destaca a história de Philemon, palhaço martirizado e santificado em Roma, o santo palhaço!
Fala-nos ainda sobre os jograis, arlequins, graciosos, bufões, truões, Commedia dell’Arte, revela a importante história de Tabarin. Nestas descrições, esclarece que todos passaram por processos de permanências e transformações, e construíram múltiplas formas de serem palhaços e clowns. Não deixa, é claro, de falar dos “tempos modernos”, as origens do circo que conhecemos hoje e seus muitos artistas. No livro, Alice mostra como Pindorama vira Brasil pelas graças de Diogo Dias, um palhaço na caravela de Cabral. Fala que na morte de Tiradentes teve festa e palhaçada. Gostosamente nos relata sobre os palhaços dos folguedos: Mateus e Bastiões, palhaços das Folia de Reis, o Velho do Pastoril e os Mateus dos Bois e do Mamulengo. Dos intrépidos viajantes no Brasil colônia e nos primórdios do Império. De Martins Penna e o Circo! A Festa do Divino e a Barraca do Telles: bonecos, ginastas, circo e teatro no mesmo espetáculo.
Mas, para além do texto escrito, uma riqueza inestimável em seu livro é o conjunto de fotos de artistas e seus palhaços, desde a antiguidade até os dias atuais. Acrescente-se a isto a homenagem que faz a dezesseis palhaços brasileiros: Passarola, Polydoro, Políbio, Frank Brown, Benjamim de Oliveira, Eduardo das Neves, Dudu, Chicharrão, Piolin, Picolino I e II, família Pereira e Pery, Carequinha, Arrelia, Xupetin e Cochicho, Topetão. No final, nos apresenta os palhaços e palhaças que ela denominou de “3° milênio”, que estão por aí, não mais exclusivamente sob a lona, mas pelas ruas, palcos, televisões, etc.
Alice escreve que pretendeu contar a história do personagem palhaço, com o objetivo de “ajudar os futuros palhaços a compreenderem melhor as imensas possibilidades do seu papel social. Que cada um se sinta à vontade para realizar suas escolhas: que riso provocar? Rir do que? Com quem? Reservou um espaço todo especial para a ética no final deste livro. Compreendendo melhor o que é um palhaço podemos escolher com mais consciência o palhaço que queremos ver e o que queremos ser”.
Acho que ela conseguiu realizar isto com o seu trabalho.
Aproveitem a leitura, mas se não quiserem ler, deliciem-se com as fotos.
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