Qual a função do palhaço numa instituição de longa permanência para idosos?

Me faço essa pergunta há alguns anos e a proponho como provocação para todos que em algum momento já pensaram este trabalho comigo, seja no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde – ICICT/FIOCRUZ, onde trabalhei e estudei; seja no Grupo Baguncitos; ou no meu atual grupo, o Experimentalismo Brabo (Ebrabo).

Há alguns meses voltei a atuar no Abrigo do Cristo Redentor, em São Gonçalo, desta vez com o Projeto Geração da Leitura *, que o Ebrabo desenvolve na casa, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. A equipe do projeto conta com duas palhaças que já há alguns anos atuam lá, pois fizeram parte do programa de visitas a idosos institucionalizados do Grupo Baguncitos. São elas: a Primeira Dama (foto) e a Lelê Vita.

 Na mesma perspectiva que eu, ambas estão acostumadas com o pensar sobre a questão que inicia o texto, seja com discussões, leituras ou na própria prática da “geripalhaçaria” nos asilos. Acompanhando pela primeira vez a interação da dupla de palhaças com os idosos, a promotora de leitura Cristina Pizzotti (que atua como contadora de histórias no Projeto Geração da Leitura), comentou conosco uma observação muito interessante, que compartilho neste espaço.

“O palhaço tem liberdade total dentro do asilo. Inclusive para não fazer rir.”

Dentro do escopo do nosso projeto, a performance palhaçal é pensada para a escuta, o que não representa nada muito diferente da proposta estética do palhaço de interagir a partir dos sinais dados pelo público (seja num circo, num hospital, ou na rua, etc.), ou pelo território do palco (a cidade onde o circo se instala, o hospital como um todo, o bairro onde se localiza a praça da apresentação, etc.).

Todavia, esta escuta e sua consequente proposta de interação se dá num território com particularidades bastante específicas: são pessoas no final de suas vidas, muitas com saúde física e mental debilitada e/ ou machucadas pela ausência da presença familiar. É um território onde nem sempre as pessoas escolheram ou querem estar, onde muitas vezes recebem pouca ou nenhuma visita. E pior, um lugar onde mais que o abandono da sociedade, as pessoas podem passar a experimentar o abandono de si mesmo, de sua história, sua cultura e suas vivências. O que o palhaço pode ouvir? Estamos preparados para ouvir?

 Nosso país envelheceu rápido demais, e nós não sabemos como tratar nossos idosos, e nem de como tratar quem cuida destes idosos. Mas e o palhaço… Ele sabe? Quais as características e peculiaridades de um palhaço especializado na interação com idosos? Que liberdade é essa que a Cristina enxergou?

Para além do riso e pensando sua nova identidade dentro deste contexto: qual seria a real função do palhaço num asilo?

A cada nova interação, diante da pluralidade de gostos, culturas histórico de vida, as perguntas se renovam.

 E a “vida” no asilo segue… Com ou sem palhaço!


* O Projeto Geração da Leitura tem o objetivo estimular o intercâmbio cultural entre idosos, visitantes e funcionários do Abrigo do Cristo Redentor (São Gonçalo-RJ), realizando atividades artísticas e culturais, que permitam a construção da memória e a valorização da cultura e da história de vida dos idosos abrigados.É realizado pelo Coletivo Experimentalismo Brabo, com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro.

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