Tem adulto com medo de palhaço aí?

Uma amiga minha tem medo de palhaços. Isso limita bastante nossas conversas, já que evito falar sobre coisas que vi, que fiz, ou que penso em fazer. Também não falo muito sobre os estudos, as coisas que leio, os espetáculos que assisto…

Em nossas andanças por esse mundão imenso, todos nós já nos deparamos em algum momento com pessoas que têm medo do palhaço, e principalmente, com aquela clássica situação de um adulto (geralmente pai ou mãe) empurrar uma criança chorosa para à força chegar perto, brincar ou tirar uma foto com o palhaço. Este tipo de situação sempre me incomoda muito.

O caso que vou contar aconteceu com esta minha amiga. Eu não estava presente, reproduzo aqui o que ela me contou. Fiquei tão incomodado com seu relato, que resolvi falar sobre isso neste espaço.

Os “amigos” desta minha amiga sabem de seu medo. Já pensando nisso, resolveram chamá-la para uma festa infantil com o tema “palhaço”, já sabendo que lá haveria um “palhaço” para animar o evento.

Lá chegando, ao perceber do que se tratava, minha amiga apesar de incomodada resolveu tentar ficar na festa. E tudo ia relativamente bem até o (não) palhaço” da festa mandar essa pérola: “Tem adulto com medo de palhaço aí”?

“Teeeeeemmm…”

E daí, aconteceu a patética cena do (não) palhaço sair correndo atrás da minha amiga pela festa. Nos primeiros segundos tudo muito engraçado para todos. Logo em seguida, ela começa a entrar em desespero, começa a chorar, a tremer e todos continuam a rir, até que ela sai da festa e começa a dar sinais de que pode vir a passar mal.

Somente aí, seus “amigos” e o (não) palhaço caíram na real e viram a besteira que fizeram: colocar uma pessoa diante de algo que ela tem grande medo, unicamente pelo prazer de se divertir com isso. Poderia ser qualquer coisa: escuro, altura, mar… Como pode passar pela cabeça de um amigo ?

E mesmo que passasse isso pela cabeça dos convidados da festa, o (não) palhaço embarcar nessa é algo que pra mim gera um enorme incômodo. Tudo bem que a pessoa ganhe seu dinheiro honestamente como animador de festas infantis. É um trabalho bastante complexo e desafiador. No entanto, fica difícil respeitar profissionalmente alguém que faz “qualquer coisa”, como por exemplo, colocar uma roupa de palhaço e se prestar ao papel de correr atrás para assustar alguém que tem medo.

Lamentável! Por essas e por outras, muita gente ainda acha que o palhaço é “qualquer coisa”. Infelizmente, alguns embarcam nessa e fazem “qualquer coisa” por aí. Direto!

Meu mestre Richard Riguetti fala muito que “não existe palhaço ruim; existe palhaço que não é amado, mas que ainda vai ser…” É forte essa frase. Dá conta de pessoas que se entregam à uma arte que só existe a partir do contato com o outro. Uma arte que faz com que seus praticantes tenham um constante estudo prático ou teórico: de si mesmo, do outro “expectador”, do outro “artista” e de toda e qualquer inspiração que venha ou não do mundo da arte.

É alguém que se revela em potência, que oferece o seu ridículo para o mundo, a fim de torná-lo menos doente. É a subversão de tudo o que nos afasta de nós mesmos, e isso fica cada vez mais evidente, quando vemos a cada dia o tanto de ativistas sociais que escolhem o caminho do palhaço para gritar por mudanças no mundo.

O palhaço de verdade, esse ser que quase sempre nos alimenta de riso, mas que às vezes nos surpreende com a poesia, com o canto, com o malabarismo,
as histórias, os encontros, as provocações e tudo mais. O palhaço: aquele que na cena ou na vida faz ações que não muitas vezes não esperamos, mas que engraçadas ou não, são sempre pensadas para nos dar potência para agir, ou em outras palavras: trazer alegria.

Pode não existir um palhaço ruim, mas esse “não-palhaço”, pode ser desastroso! Desses, eu também tenho medo.

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