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Crise no picadeiro

Publicado na: Revista Problemas Brasileiros, novembro/dezembro de 2005.

Em dezembro de 2002, o Circo Garcia, que chegou a ser o quarto maior do mundo, encerrou uma trajetória de quase 80 anos. Sua lona de 54 metros quadrados parecia ter ficado extensa demais para a pequena platéia que ainda acompanhava os espetáculos. Para os cerca de 20 grandes circos que restam no Brasil, ficou o sinal de alerta.

A prática circense, porém, vem sendo trabalhada fora do picadeiro desde o início da década de 1980, em escolas de circo. Dali saem artistas que, se não têm a “serragem na veia”, aprendem as técnicas e passam a integrar grupos que misturam diversas modalidades de linguagem artística. Esse movimento é chamado de Circo Contemporâneo.

Para resgatar o esplendor do “maior espetáculo da Terra”, contudo, há ainda muito a ser feito. A cada cidade visitada, os circos itinerantes enfrentam novas taxas, exigências e restrições, além da dificuldade para alugar terrenos, cada vez mais raros nas áreas centrais. Por essas razões, aconteceu no dia 11 de agosto, em Brasília, o seminário A Regulamentação da Atividade Circense no Brasil, no qual se debateu o projeto da Lei do Circo apresentado no final de março às Comissões de Educação e Cultura da Câmara e do Senado.

Idealizado pela Fundação Nacional de Arte (Funarte), em parceria com a Associação Brasileira de Circo (Abracirco), o projeto estabelece uma série de medidas públicas que poderiam desobstruir o trabalho classe, como a unificação das normas para instalação, a padronização nacional na área de segurança e a possibilidade de alvará de longa duração.

Crise

Artistas de várias nacionalidades integraram o elenco do Circo Garcia. Foi por meio de uma proposta de trabalho que Carola Boets, uma belga criada na Suécia, veio com a família para o Brasil no início da década de 1950. Para apresentar o número musical “Ascandales”, ela assinou contrato por apenas um ano, mas acabou se apaixonando pelo dono do circo, com quem se casou em 1953, e nunca mais foi embora. Muito tempo depois, porém, com o falecimento de seu marido, Antolin Garcia, em 1987, e posteriormente do filho dele e sócio, Rolando Garcia, toda a responsabilidade do empreendimento, ficou em suas mãos: “O ano de 1995 foi o melhor para a gente, mas de 1996 em diante foi piorando. Chegamos a trabalhar em Goiânia com ingressos a R$ 2, e não veio ninguém”, lembra Carola.

O álbum de recortes de jornais e fotos do Senegal, Sri Lanka e até Japão, visitados pelo Garcia quando os ventos eram favoráveis, lembra um tempo áureo. Mas outros circos mantêm-se em plena atividade, embora enfrentem sérias dificuldades para continuar /0 viajando pelo país. Há dez anos, o Spacial, fundado por Marlene Querubim em 1985, trabalhava com 100% da lotação. Hoje fica em torno de 30%. “Estamos vivendo um momento de transformação do circo no Brasil. Não há mais áreas para erguer a lona nas grandes capitais.” Esse é um dos pontos de maior rei vindicação da classe. Uma cidade como São Paulo, por exemplo, exige pelo menos o cumprimento de 18 tens para conceder o alvará de instalação. Soma-se a isso a intransigência de alguns municípios que, por motivos políticos, simplesmente vetam a entrada de circos”.

Segundo Hugo Possolo, do grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, autor do texto do projeto da Lei do Circo, o mais importante no momento é ter um mapeamento da produção que permita avaliar o panorama atual, pois só assim será possível pensar no que pode ser feito em termos de política pública. Para ele, é preciso criar nas cidades praças de eventos que recebam o circo, com banheiro já instalado, bilheteria, pontos de água luz, gás e estacionamento: “Na Europa isso é comum. O grupo só encosta os traílers, faz as ligações e monta o circo. Assim, além de o trabalho ser facilitado, os custos seriam reduzidos significativamente”.

Polêmica

Em11 de julho deste ano, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei do ex-vereador Roger Lin (PSB) que proibe a utilização de animais de qualquer espécie em apresentação de circos e congêneres, prevendo multa de R$ 1,5 mil aos infratores. Em caso de reincidência, primeiro o valor dobra e, depois a licença de funcionamento é cassada. No mês seguinte, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), promulgou a lei que institui o Código de Proteção aos Animais, no qual “é vedada apresentação ou utilização de animais em espetáculos circenses”.

Tais medidas seguem o exemplo de uma lei estadual do Rio de Janeiro, que veta a presença de “seres irracionais” em quaisquer espetáculos. Para a classe circense, proibir animais é algo inconstitucional, já que a profissão de domador de circo consta da regulamentação federal de 1978 e da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho. “E um equívoco por parte dos ambientalistas. A simples proibição deixa o problema de lado e desconsidera que boa parte dos circos, cerca de 90%, não lida com maus-tratos”, afirma Hugo Possolo.

“Se aparecer um fio de cabelo no prato servido em um restaurante, vão fechar todos os dernais?´, pergunta o domador Max Annaev, que apresenta um número com gatos no Planeta Mágico, de São Paulo. Ele é contra a proibição dos animais, mas a favor de uma fiscalização efetiva pelas autoridades competentes. “A primeira lei saiu na Inglaterra,

que é onde há mais bichos. Lá, se, você dispuser de estrutura, pode ter dez hipopótamos.”

O Garcia era o único circo do mundo onde os chimpanzés se reproduziam em cativeiro, totalizando 22 nascimentos. Carola diz que isso se deve aos cuidados com os animais: “A palavra ´domador´ está errada. É ´ensinador´, porque ninguém obriga um elefante ou um,chimpanzé a fazer alguma coisa. É brincando com eles que se ensina. Contam lorotas de que damos gatos para os bichos comerem, mas, com 28 tigres consumindo cada um 6 quilos de carne por dia, que equipe eu deveria ter para caçar gatos?” Ela trabalhou 19 anos com elefantes e depois com chimpanzés. “Eles iam para o picadeiro

farrear. Iniciavam com dois anos e meio, como bebê num carrinho, em seguida passavam para o carrossel, bicicleta, dança, e eram aposentados com, no máximo, oito anos.”

Os ambientalistas, por sua vez, promovem campanhas e pressionam o governo a aprovar mais leis de proibição e fiscalização. Desde 1997, a Associação Humanitária de Proteção e Bem-Estar Animal (Arca Brasil) organiza debates sobre a questão. “O circo quer dar a sensação de o homem estar convivendo com feras, da supremacia humana sobre as espécies. Isso está fadado ao fracasso, é uma questão de tempo” , afirma Mar- co Ciampi, diretor da Arca Brasil. Ele cita um acidente ocorrido em abril de 2000 no intervalo da apresentação de um circo na cidade de Jaboatão dos Guararapes (PE), no qual uma criança foi morta por um leão, que a puxou para dentro da jaula. “Foi o ´gatilho´ de uma grande movimentação nacional.”

Ciampi diz que a Lei dos Crimes Ambientais deveria ser ampliada. “A utilização de animais para fins de diversão é questionável, uma vez que, para esse momento de pseudo-entretenimento, existe uma vida inteira de privação da liberdade, do comportamento básico e eventualmente da saúde dos bichos.” No mesmo mês em que alei da cidade de São Paulo foi publicada, dois tigres do Circo Stankowich morreram na unidade instalada em Campos do Jordão (SP). Novamente foram intensificadas denúncias de maus-tratos. O circo foi acusado de ter deixado os tigres morrerem de frio. Porém, o laudo oficial detectou morte por gastroenterite hemorrágica infecciosa, inflamação no intestino causada por vírus transmitido por gatos domésticos. Uma semana depois, nasceram três tigres siberianos. “Isso ninguém divulga”, assinala Márcio Stankowich. Ele acredita que a lei municipal não será regulamentada, porque “teria de proibir, também, animais no Jóquei Clube e aqueles utilizados pela Polícia Militar. Se não são permitidos em circo, não podem ser em lugar nenhum”.

História

Há milênios, a humanidade pratica números de destreza, equilíbrio e força. Isso pode ser comprovado em pinturas de porcelanas chinesas, nas pirâmides do Egito ou até mesmo nas modalidades de competição das Olimpíadas da Grécia antiga. A palavra “circo” alude ao Circo Máximo de Roma, construído 70 anos antes de Cristo. Em outro contexto, as acrobacias eram utilizadas para treinar soldados na China, visando o aperfeiçoamento de técnicas de artes marciais.

Todavia, para Ermínia Silva, doutora em história social da cultura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o circo moderno nasceu quando os realizadores de proezas passaram a se auto definir artistas circenses, e isso só aconteceu na passagem do século 18 para 19, após a fundação do Astley´s Amphitheatre, em Londres. Por volta de 1770, na arena de formato circular, rodeada por arquibancadas e com pequenos palcos acoplados, o ex-oficial da cavalaria britânica Philip Astley e dezenas de cavaleiros uniformizados representavam histórias de batalhas ao rufar de tambores.”E imputada a ele a substituição de arenas retangulares por circulares, que possibilitavam, pela força centrífuga, maior equilíbrios obre o cavalo”, explica Ermínia. Vem daí o fato de a palavra “picadeiro”, que designa um local onde se adestram cavalos ou se ensina como equitação, ter passado a significar também a área circular central do circo. Nos intervalos, enquanto homens e animais descansavam, era a vez de os saltimbancos e artistas de rua executarem shows de variedades. “Astley deu origem a uma nova organização do espetáculo, juntando animais, acrobacias e representação teatral acompanhada de música num mesmo lugar, o que não existia até aquele momento.”

A primeira vez que esse tipo de espetáculo foi designado “circo”, como é conhecido hoje, aconteceu quando Charles Hughes, rival de Astley, fundou o Royal Circus, em 1782. Hughes ampliou a representação teatral em forma de pantomima, um gênero que não utilizava palavras faladas, mas gestos e trilha sonora. A essa altura, a idéia foi se expandindo pelo mundo, até chegar ao Brasil em 1830, onde o circo moderno encontrou ambiente bastante favorável. Os ciganos que aqui moravam já faziam números de rua, com doma de ursos, ilusionismo e acrobacias sobre cavalos. Por serem bons artistas e exímios ferramenteiros, muitos deles passaram a integrar os grandes grupos circenses.

Só no século 20, entretanto, é que começaram a surgir a maioria dos circos locais. Até o aparecimento da televisão, eles predominavam como circos-teatros, ou seja, tinham a programação dividida em dois atos. A apresentação tinha início no picadeiro de variedades, com os artistas fazendo números aéreos e de solo. Depois eles iam para o camarim, e voltavam ao palco para encenar belas peças teatrais, que posteriormente influenciariam as telenovelas. Para o palhaço e ator René Mauro, cujo aprendizado foi adquirido nos circos Irmãos Pimenta e Garcia, o segredo dos melodramas estava escondido num buraco, embaixo do palco. Lá ficava o “ponto”, que era a pessoa responsável por transmitir as falas aos atores, inclusive com a interpretação que se deveria dar a elas. “Costumava ser mais artista que o restante do elenco, tanto que ganhava um ótimo salário.” Muitos músicos e artistas famosos passaram pelo circo- teatro no início da carreira, antes de ter seus trabalhos divulgados no rádio, cinema e televisão. Catulo da Paixão Cearense, Pixinguinha, Marília Pêra e Oscarito são alguns exemplos

De qualquer forma, ainda hoje a televisão revela a influência de heranças circenses. O primeiro programa de auditório foi apresentado pelo palhaço George Savalla Gomes, o Carequinha, quando atuou na TV Tupi, em 1951. “Lá não tinha auditório, mas eu disse ao diretor que estava acostumado a trabalhar com público. Então, no próximo número, arranjamos umas cadeiras e acomodamos umas 30,40 crianças e os pais”, afirma Carequinha em entrevista no livro O Circo no Brasil, de Antônio Torres.

Escola

As famílias circenses sempre foram responsáveis pelo ensino e pelo treinamento das novas gerações, possibilitando constante renovação de artistas. Contudo, em meados do século 20, houve algumas mudanças de âmbito internacional: “Os pais, que transmitiam os conhecimentos para os filhos, vendo que a vida no circo era muito sacrificada, acharam melhor colocá-los para estudar”, conta Roger Avanzi, o palhaço Picolino Segundo. Porém, ao mesmo tempo em que os artistas tradicionais mandavam seus filhos para a universidade, uma geração que não nasceu embaixo da lona procurava mestres de picadeiro para aprender técnicas circenses.

Esse movimento acabou redundando na abertura de escolas. Em São Paulo, Roger Avanzi e outros experientes artistas brasileiros conseguiram duas quadras embaixo da arquibancada do Estádio do Pacaembu, onde fundaram a Academia Piolinde Artes Circenses (Apac), em 1978. Financiadas pela Secretaria de Estado da Cultura, as aulas, gratuitas, aconteciam mais pela boa vontade dos professores do que pelos parcos recursos. “Dava trabalho armar trapézios, aquelas coisas todas diariamente. E, quando os alunos iam embora, era preciso desarmar”, conta Avanzi.

Verônica Tamaoki, ex-aluna da Apac e co-autora do livro Circo Nerino, lembra a emoção de ter freqüentado a primeira escola de circo do Brasil: “Era ótimo ver a alegria

dos velhos artistas, por estarem outra vez sob os holofotes, mesmo em condições difíceis”. Do Pacaembu, a Apac mudou para um terreno no Anhembi, onde permaneceu por três anos, até perder o espaço e encerrar suas atividades, em 1983. Daí para a frente, o ensino na cidade seria proporcionado apenas por escolas particulares.

Paralelamente, no Rio de Janeiro, a juventude dava as boas-vindas ao ano de 1982. Nas primeiras semanas de janeiro, subiram os mastros do Circo Voador, formando ali uma cena cultural bastante efervescente, com apresentações de bandas de rock, grupos de dança, teatro e circo. Quatro meses depois, os aficionados das artes de picadeiro teriam a oportunidade de ingressar na Escola Nacional de Circo (ENC) , inaugurada pelo governo federal após duras pelejas.

Com os artistas aprendendo em escolas circenses, surgiu a corrente do Novo Circo ou Circo Contemporâneo. Esse fenômeno aconteceu simultaneamente no Brasil, França, Inglaterra, Alemanha, Austrália e Canadá. Tal vez seja complicado listar as características que o identificam, pois variam de grupo para grupo, de espetáculo para espetáculo, mas, em linhas gerais, podem ser destacadas a formação não-tradicional, não-familiar, e a inclusão de elementos modernos. “É o que acontece em qualquer tipo de arte. Surge uma nova geração que relê o circo clássico de acordo com a estética do seu tempo. Uns mudam muito, outros nem tanto”, explica a pesquisadora Alice Viveiros de Castro, autora do livro Elogio da Bobagem. Dessa tendência,surgiu o Cirque du Soleil, que, após ganhar verba milionária do governo canadense, virou uma espécie de Real Madrid do circo, com mais de 700 artistas “galácticos”, contratados em vários países. Para assistir a uma apresentação do Soleil, é preciso comprar o ingresso com meses de antecedência.

No Brasil, muitos grupos que antes se apresentavam nas ruas e palcos hoje também querem ter a própria lona. Munidos de R$ 20 mil, que ganharam do Prêmio Estímulo 2004, Gallo Cerello e Elena Cerântola compraram a cobertura para o Circo Vox, instalado na zona sul de São Paulo. O restante da estrutura-arquibancada para 250 pessoas, escritório e contêineres – eles tiveram de bancar: “A gente batalhou e juntou dinheiro durante muito tempo. Em vez de investir num sítio, optamos pelo circo”, brinca Elena. Ambos foram alunos de escolas no Brasil e na França, país onde 90% das pessoas já foram a algum espetáculo circense. “Aqui não existe nem mesmo um lugar para artista profissional de circo trabalhar. Estamos conseguindo porque somos teimosos.”

Dessa maneira, os pequenos circos contemporâneos vão chegando à tona. E os tradicionais, com suas toneladas de equipamentos, continuam resistindo. Ninguém cobra do governo federal uma verba nem se- quer parecida com a que o Soleil recebeu, mas todos aguardam com ansiedade a aprovação do projeto da Lei do Circo. Não adianta o Ministério da Cultura investir em programas sociais que utilizam linguagem circense, ou financiar a Escola Nacional de Circo, se depois de formados os alunos não tiverem condições de trabalho. É preciso abrir caminho, pois o “maior espetáculo da Terra” pede passagem.

O pique do palhaço?

Segundo consta nos relatos de Pero Vaz de Caminha, uma das naus portuguesas que aportaram no Brasil trouxe um “homem gracioso” chamado Diogo Dias. Depois de dançar com os índios ele “fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito”. Para a pesquisadora Alice Viveiros de Castro, Diogo Dias foi o primeiro palhaço a pisar em solo brasileiro: “O termo ´gracioso´ era utilizado, nessa época, para designar os atores cômicos. Os dicionários mais antigos indicam histrião e bobo como sinônimos de gracioso, ou seja, palhaço”, explica Alice. Ela afirma que o “salto real” era equivalente ao salto-mortal, e as voltas ligeiras seriam possivelmente acrobacias, voltas de mão e rondadas, muito comuns nas apresentações de saltimbancos da época.

Aos palhaços sempre coube a função de fazer rir grandes e diversificadas platéias. René Mauro, cômico que ganhou o apelido de Soneca quando trabalhava, entre bocejos, como bilheteiro do circo, diz o seguinte: “O palhaço deve contar uma piada já pensando na próxima, não pode perder o pique do espetáculo. É como um jogador de futebol: se não correr em campo, ele perde o jogo”. Além disso, precisa atuar sem se preocupar com provocações, embora nem sempre isso seja possível. Certa vez, Soneca contou uma piada e alguém resmungou: “Essa é velha”. Sem perder tempo, ele respondeu: “A educação é velha e você não aprendeu”.

No Brasil, há basicamente três tipos de palhaço: o clown, ou “escada”, que, nas entradas cômicas e intervalos entre apresentações, auxilia o “excêntrico”, e o toni de soirée, uma espécie de “faz-tudo”, Segundo Roger Avanzi, o “excêntrico” é o palhaço de sapato grande, roupas coloridas, que fala muito e conta piadas. Já o clown faz um sujeito normal, instruído, poliglota, elegantemente trajado. Numa sátira da sociedade, juntam-se os dois personagens, e o clown tenta provar a ignorância de seu parceiro, “mas, no frigir dos ovos, o excêntrico lhe dá uma- rasteira, já que na vida nem todo mundo sabe tudo. O bobão é mais simpático e o outro ganha vaia da platéia”.

O toni de soirée também aparece durante uma mudança de cena ou enquanto se montam equipamentos para o número, seguinte. Fala pouco ou quase nada, mas é um artista bem versátil, com prática em todos os aparelhos do circo, uma vez que sua função parodia as demais. “Existem seqüências muito cansativas, como as três barras fixas ou o volteio. O artista faz o truque e pára. Enquanto toma fôlego para completar a apresentação, entra o toni e começa a imitá-lo de maneira errada. Cai, leva um tombo e provoca risos.” A ironia da encenação é que “às ´vezes o toni sabe tanto ou mais que o próprio artista. O povo está rindo e ele devolve o riso: ´Os bobos estão pensando que eu caí e me machuquei, mas eles estão rindo de mim e eu deles´. É bonito isso”, comenta Avanzi.

Respeitável Público

Durante o mês de julho, a programação de férias da unidade Ipiranga do Sesc SP proporcionou a crianças, jovens e adultos inúmeras atividades relacionadas à linguagem circense. Estiveram presentes alguns dos principais grupos que ajudam a resgatar as artes de picadeiro: Girasonhos, Los Patos, Oz Academia Aérea, além dos palhaços César Gouveia, Paulo Federal e Nani Colombaioni. De segunda a sexta-feira, foram realizadas oficinas diversas, e nos finais de semana, os espetáculos.

Na tarde de 27 de julho, dentro da tenta armada no Sesc, a aposentada Ruth Pessoa observava o neto João Renato, de 7 anos, brincar pela primeira vez com truques de circo: “Ele está empolgado, se divertindo, e olha como está melhorando”. Ao lado de Ruth, estava Mônica Pollon, que acompanhava a sobrinha de 5 anos, Giovana, por considerar importante o lúdico no dia-a-dia das crianças. “A brincadeira eleva a auto-estima e ajuda a vivenciar o que um adulto vai passar mais tarde”, diz Mônica, professora de educação infantil.

Do lado de fora, a atividade envolvia acrobacia e equilíbrio. Karina, de 11 anos, esforçava-se para permanecer sobre a bola azul, enquanto o professor, Euler Batista, ensinava as técnicas. “As crianças chegam desanimadas, mas depois não há quem as tire daqui”, comentava Euler, da Oz Academia Aérea. Nos colchonetes, Fábio Paraíso fazia demonstrações de como se deve projetar o corpo para executar certos movimentos acrobáticos com segurança. De acordo com ele, que já foi trapezista e integrante da seleção brasileira de ginástica olímpica, os saltos do esporte e do circo são parecidos, embora no segundo haja mais liberdade de postura. Depois das explicações, com a fila formada, cada aprendiz trabalhou exercícios de ponte e estrela. Foi assim até o final da tarde, hora de escolher o material e dispersar a improvisada trupe.

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