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E o palhaço, quem é?

Hoje aposentados, os artistas de circo guardam a memória do circo-teatro, que encantava os sorocabanos há trinta ou quarenta anos.

Muita gente não sabe, mas ainda vivem em Sorocaba e cidades próximas diversos artistas que integraram companhias de circo famosas. Parte da memória de toda uma geração de sorocabanos, hoje eles são principalmente os guardiões da história do circo e da história da própria cidade.

José Rubens Incao, administrador da Biblioteca Infantil de Sorocaba e grande incentivador desses artistas, costuma dizer que “a região de Sorocaba foi sempre um celeiro de artistas de circo”. “Além dos nascidos aqui, muitos artistas vieram para cá depois que encerraram suas carreiras ou se aposentaram”, afirma. Isso se justifica, talvez, pelo fato do público da cidade ter recebido sempre com carinho, os artistas de circo que por aqui passaram. Pelo menos é o que se pode conferir no livro “Sorocaba de Ontem”, de Antonio Francisco Gaspar, publicado em 1954.

Escritor e pesquisador, Francisco Gaspar conta que, lá pelos idos de 1905 a 1913, Nhoquim Pires, fundador e dono do Jornal Cruzeiro do Sul, recebia os representantes das companhias de circo na redação, dava-lhes uma bela divulgação e ainda lhes ensinava o caminho da Prefeitura, Delegacia de Polícia e do local onde os circos eram armados, a Praça do Rosário. Alguns dias depois, o circo chegava à cidade de trem, assistido pelos olhos curiosos do público sorocabano. Por essa época, segundo o pesquisador, estiveram na cidade o Circo Americano e o Circo Clementino, com os seus artistas teatrais e de variedades circenses. Alguns deles são lembrados até hoje. É o caso de Abelardo Pinto, o Palhaço Piolim. Abelardo, já falecido, estreou na cidade quando ainda era um menino, a 17 de maio de 1913.

Nesse começo de século, outros artistas como Polidoro e Gabriel Amêndola também chamaram a atenção do público. Polidodo apresentava números cômicos e cantava chulas e lundus, sendo o primeiro palhaço cantor que Sorocaba conheceu. Gabriel Amêndola era um palhaço sorocabano muito querido, e se apresentava em um circo da cidade chamado “Circo Brasil”.

Do início dos anos 40 até o final dos anos 70, vários circos famosos passaram temporadas na cidade. Entre outros, o Circo Teatro Modelo, Circo Teatro Universo, Circo Teatro Rosário, Blue Star Circus, Circo Ordep, Circo Xixinelo, Circo Teatro Novo Mundo e talvez o mais famoso de todos, Circo Teatro Guaraciaba. E nessa época costumavam ser armados quase sempre perto da ponte de Pinheiros.

Subiam aos palcos malabaristas, engolidores de fogo, equilibristas e artistas de renome como Mazzaropi, Nélson Gonçalves, Tonico e Tinoco, Pedro Bento e Zé da Estrada, cantores em início de carreira como Roberto e Erasmo Carlos e toda uma gama de palhaços famosos, como Pirolito (o dono do Circo Guaraciaba), Carequinha, Arrelia, Piolim, Toledo, Tim Davis, Xicuta, Pirolé, Xixinelo, Chincharrão e Fedegoso. Nhô Juca, artista e radialista sorocabano, levava aos picadeiros os quadros “Viola contra guitarra” e “Casamento do Nhonhô”.

Mas era o circo-teatro propriamente dito, com sua época de ouro nos anos 60 e 70, que mais encantava as platéias. Toda sessão de circo trazia em seu repertório uma comédia ou um drama que atraía multidões. Entre tantas peças exibidas, destacaram-se Sansão e Dalila, O Homem que Nasceu Duas Vezes, Lágrimas de Homem, Pense Alto, Os Miseráveis, Mestiça, La Cumparsita, E o Céu Uniu Dois Corações, Cara Suja e O Ébrio.

Os elencos eram formados com mais ou menos 50 artistas. Muitos deles, aliás, nascidos e criados no circo. Exemplos disso são a filha de Pirolito, Guaraciaba Malhone (a menina que inspirou o nome do circo), e Vioblaque Cavalcante, que trabalhou em circo desde os 5 anos de idade. Outros artistas como Edeméia Polidoro, Victor Luiz, Marcius Newton, Nhô Moraes (José Carlos Amaral, já falecido), Edna Polidoro, Antônio Vicente Corrêa, Alberto de Castro, José Alves do Nascimento, Maria José Rosa, Arizoli Fernandes, Hudi Rocha, Nilton Gimenes, João Salvador Pinto e a cantora Maria Teresa também estavam na preferência popular.

São eles, com suas famílias, que agora vivem em Sorocaba ou em cidades da região. Como aposentados, domésticas, funcionários públicos, promotores de evento ou desempregados, seguem suas vidas cheios de sonhos e vontades.

Guaraciaba, a menina que cresceu no circo, hoje ajuda seus três filhos, cuida sempre que pode de quatro netos, trabalha como doméstica e voltou a estudar. Maria Teresa, que encantava as platéias cantando nos circos, trabalha numa escola estadual em Salto de Pirapora (onde mora), é mãe, avó e está escrevendo um livro sobre a memória do Circo Guaraciaba.Ela é também esposa de Vioblaque Cavalcante, um dos galãs da companhia. Blaque, como é chamado, está hoje com 80 anos, é aposentado e gosta de estar ligado à atividades culturais. Prova disso é que viaja quase todos os dias para ajudar, como voluntário, nos trabalhos da Biblioteca Infantil de Sorocaba.

Na memória desses artistas, lembranças do Circo parecem estar editadas como em um filme de Fellini. Afinal, como explicam, é difícil esquecer a festa de aniversário da menina Guaraciaba, que acontecia dentro do circo; do corso carnavalesco, quando o pessoal desfilava fantasiado na carroceria de um fordinho 29; ou dos preparativos para a chegada ao circo de Tonico e Tinoco, cantores de música caipira, que gostavam de ser recebidos com um bem temperado arroz com frango, feito pelos próprios artistas. Estas e outras histórias podem ser ouvidas todos os anos, quando os artistas se reúnem para a realização do projeto “Revivendo o Circo”, uma idéia de Tim Davis (hoje vivendo no Japão), que há sete anos recebe apoio da Secretaria de Educação e Cultura. Além de matar as saudades, nesses encontros os artistas apresentam números teatrais e shows de variedades.

Com essas oficinas, muitos deles satisfazem um pouco da grande vontade que têm de participar da vida cultural da cidade. Quase todos concordam com Blaque, quando afirma que “muito poderiam ensinar para essa meninada que tanto gosta de fazer as coisas, mas não sabe”. Talvez Iracema Pires Cavalcante, a Maria Teresa, preocupada com a memória cultural da comunidade, seja quem melhor expresse essa vontade de ensinar a arte circense, quando afirma em seu livro a ser editado: “Todas as crianças que tiveram a felicidade de conhecer um circo, por cem anos que vivam, terão sempre o que contar para seus filhos e netos.”

Revista Exclusiva UP, integrante da edição de 22 de fevereiro de 2002 do Jornal Cruzeiro do Sul, Versão on-line por CNTeam

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