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Biribinha: permanências, transformações, readaptação e reinvenção do artista circense

Veja Vídeoentrevista realizada pela equipe do Circonteúdo com Teófanes Silveira – palhaço Biribinha


Artigo publicado na Revista Rego do Gorila – todo mundo quer ver. Disponível gratuitamente – regodogorila.blogspot.com (abaixo – também em pdf)  (1)

Quando da apresentação da Cia. Teatral Turma do Biribinha na Praça Nove de Julho, em Presidente Prudente (SP) com o espetáculo O Reencontro de Palhaços na Rua é a Alegria do Sol com a Lua, no Festival organizado pelo Grupo Rosa dos Ventos, me fez recordar, de novo, uma entrevista que fiz com o artista que representa o palhaço. De novo, pois sempre que vejo grupos de circenses de origem dos chamados “tradicionais” reinventando o modo de caminhar a vida, esse que vem direto lá dos Alagoas é talvez um dos mais representativos.

Assim, quando me foi solicitado escrever para o Rego do Gorila Pregs, com a sugestão de pensar sobre as transformações porque passam os circos e as diversas readaptações circenses, lembrei imediatamente da primeira vez que conheci Teófanes Silveira, o nome desse maravilhoso artista que também atende por Biribinha.

Foi em Salvador, e estávamos participando dos Anjos do Picadeiro. Fui encarregada de realizar uma entrevista com ele. (2)

Até então eu não o conhecia, e sua entrevista só fez confirmar e rechear várias das minhas análises sobre o que para mim deve ser entendido o significado do que seja o processo de produção da linguagem circense: um modo rizomático. O que significa essa palavra e qual a relação que ela tem com todos os Biribinhas que conheci?

Em sua entrevista, que não será possível aqui pormenorizá-la, pois só me coube uma lauda, ele relata a trajetória de seus pais: Nelson, o pai, um homem estudado e sua mãe, Expedita (a terceira esposa, conhecida artisticamente como Dita Silveira) uma semi-analfabeta que aprendeu com o marido as letras e a ser artista que, segundo ele, “foi se constituindo em uma das melhores atrizes do grupo”.

E aqui temos o início do conceito de rizomático.

Nelson e Dita tiveram 06 filhos e todos se tornaram artistas de circo e de circo-teatro. Seu pai exercia os papéis de diretor, ator e acrobata, mas foram as grandes atuações nos papéis cômicos que o fizeram ator cômico de palco e abriram caminho para que pisasse também o picadeiro, como palhaço, com o nome de Biriba. Foi no palco do circo-teatro que houve a necessidade de pegar aquele ator cômico e descobrir o palhaço, jogando-o no picadeiro – ele teve, então, 35 anos para consolidá-lo e desenvolver a linhagem dos palhaços que está hoje na quarta geração.

Quando Nelson faleceu, Teófanes herdou o nome de palhaço do pai, tornando-se Biribinha até hoje. Em 2008 fez 50 anos de palhaço. Muitos foram seus mestres, importantes para os diversos processos de consolidação de seu palhaço.

A família viveu no circo por alguns anos após o falecimento do pai. Quando o circo fechou, Biribinha ficou na cidade fazendo palhaço em festas de aniversário e em outros eventos. Tudo isso com muita dificuldade e sem prazer. Sonhou que tirava a lona e ficava apenas o público e o picadeiro.

A partir desse sonho iniciou um outro momento de sua produção enquanto palhaço que é: o de trabalhar na rua. A imagem que lhe ficou: “na rua apenas não há cobertura”. Reaprendeu algumas formas de se relacionar com o público, que na rua fica diretamente no olho a olho. Reaprendeu a se posicionar cenicamente. A rua é mais um estágio de escola em sua vida. Hoje considera que, depois desses anos, o espetáculo Reencontro de palhaços está redondo. E faz anos também que deixou a lona para a rua e para o circuito de festivais de circo, teatro, encontros, seminários, oficinas, entre outros.

Ao ser perguntado sobre sua iniciação nesses eventos (entre eles o que estava vivenciando naquele momento em 2007 o Anjos do Picadeiro), fala que de início teve muita resistência em participar, especialmente nos festivais que tinham mostras competitivas. Gostaria de mostrar seu trabalho, “não que tivesse medo, mas não queria competir, só participar.”

Teve a proposta de um amigo – Eugenio Talma, da Bahia, para se inscrever no Festival de Londrina. Aceitou se inscrever, como teatro de rua, e para sua surpresa foi aceito. As relações, aprendizagens e transformações que se iniciaram a partir de suas participações nesses eventos são constituídas de uma riqueza da diversidade. “Eu nunca pensei na minha vida, que depois de 48 anos de profissão, eu ainda precisava aprender tanta coisa de palhaço, de ator, de comunicador do circo, como o teatro de rua vem me ensinando. E eu sei que ainda tem muita coisa pela frente”.

A partir das décadas de 1970/80 com o surgimento das Escolas de Circo, do Circo Social, dos grupos e trupes autônomos ou formados por esses espaços, o urbano brasileiro foi sendo “invadido” em todos os seus cantos artistas circenses, pesquisadores, associações, etc. Nesses últimos quase 40 anos, a produção da linguagem circense o espetáculo circense se libertou das limitações da pista e das lonas, indo para outros palcos, ruas, praças, ginásios, universidades, festas, shoppings, festas raves, rodeios, desfile de carnaval, boates, aniversários, casamentos, e como se dizia nas propagandas de circo do século XIX: etc., etc. e etc.

O novo? É claro que esse conceito cabe, mas não necessariamente naquilo que o discurso tenta colocá-los, ou seja, não na contemporaneidade da estética e da técnica, estas sempre estiveram e estão em sintonia com seu tempo. É no processo de ensino/aprendizagem e no modo de organização do trabalho que se passam as transformações.

Com todo esse caldo de movimentos voltados para a recuperação da memória ou das memórias circenses, o tema do circo e correlatos se fez muito presente no cotidiano das cidades, em toda a sua capilaridade, principalmente no dia-a-dia dos vários artistas. Isto possibilitou que tantos os velhos circenses retornassem e retomassem a cena, quanto surgissem novos sujeitos históricos, sociais, políticos e culturais realizando técnicas circenses em todos os lugares listados acima. Enfim, não há praticamente hoje nenhum evento e espaço em qualquer município, independente do tamanho, que não se veja uma pessoa desempenhando uma atividade artística circense, até a década de 1970 isso era quase só realizada exclusivamente sob a lona.

Se, para dentro dos circos e grupos itinerantes de lona o processo de transmissão do saber havia passado por mudanças significativas de continuidade, a teatralidade circense se mostrou rizomática, foi construindo novos percursos, desenhando novos territórios a cada ponto de encontro que operavam como resistências e alteridades, com os quais essa linguagem dialogou de modo polissêmico e produziu diferentes configurações nesse campo de saber e prática. O surgimento de novas modalidades de formação dos circenses, como nas atuais escolas de circo “fora da lona” é um componente desse rizoma.

E é sobre tudo isso que Biribinha, ou a maioria dos artistas circenses que se reinventam está falando, fazendo e praticando.

É isso que vi de novo na Praça Nove de Julho, em Presidente Prudente (SP), bem como os novos sujeitos históricos como o Grupo Rosa dos Ventos junto com Biribinha ocuparem ambos o papel de mestres/aprendizes permanentes – e fizeram uma linda homenagem a esse também novo sujeito histórico circense que se reinventa e reinventou.


1.Artigo publicado na Revista Rego do Gorila – todo mundo quer ver. Presidente Prudente: realização Circo Teatro Rosa dos Ventos (Antônio Sobreira, Fernando Ávila, Gabriel Mungo, Luis Valente, Tiago Munhoz e Robson Toma). Coordenação Editorial: Luis Valente. Projeto Gráfico e Ilustração: Deva Bhakta. Pesquisa: Grupo Rosa dos Ventos e Camila Peral; ano 1; nº 1, novembro 211, pp. 27-31

2.Para quem tiver interesse veja: “Erminia Silva Entrevista Teófanes Silveira, o palhaço Biribinha”, in Revista Anjos do Picadeiro 6 – Encontro Internacional de Palhaços (realizado de 04 a 10 de dezembro de 2007 na cidade de Salvador-BA): Trocas: modos de fazer, usar e pensar. Rio de Janeiro: Teatro de Anônimo/Petrobrás; Editora: Ieda Magri; Coordenação do Observatório do Anjos do Picadeiro 6: Ieda Magri e Sidnei Cruz, pp. 137-157, 2008.

Artigo publicado na Revista Rego do Gorila – todo mundo quer ver. Presidente Prudente: realização Circo Teatro Rosa dos Ventos (Antônio Sobreira, Fernando Ávila, Gabriel Mungo, Luis Valente, Tiago Munhoz e Robson Toma). Coordenação Editorial: Luis Valente. Projeto Gráfico e Ilustração: Deva Bhakta. Pesquisa: Grupo Rosa dos Ventos e Camila Peral; ano 1; nº 1, novembro 211, pp. 27-31
Disponível gratuitamente – http://regodogorila.blogspot.com
(abaixo – também disponível em pdf)

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