Barry Charles Silva

O ser artista circense tinha que aprender todas as artes levadas no picadeiro: acrobacia, equilíbrio, mágica, aéreos, dança, música (cantada e tocada), teatro, cenografia, iluminação, coreografia, vestuário, maquiagem, eletricista, ferreiro, ferramenteiro, pintor, relações públicas, empreendedorismo, legislação, propaganda e marketing, empresário.

O que se aprendia tinha que ser suficiente também para ensinar a armar e desarmar o circo, a preparar os números ou peças de teatro, além de treinar as crianças e adultos para executá-los. Este conteúdo tratava também de ensinar sobre a vida nas cidades, as primeiras letras, as técnicas de locomoção do circo. Os saberes sobre segurança eram passados cotidianamente aos membros, além do fato de que a rede de informações entre os circos sempre foi, e ainda é, muito eficiente. Quando um material novo era testado, ou quando acontecia alguma coisa com um artista ou material, o fato é circulado, para que todos, rapidamente, fiquem sabendo. A questão de segurança do artista e do público ultrapassava, e ainda ultrapassa barreiras e dificuldades de distância, tempo e relações pessoais. Através deste saber transmitido coletivamente às gerações seguintes, garantiu-se a continuidade de uma maneira de trabalhar e de montar o espetáculo.

Mesmo observando a existência da hierarquia dentro do circo, é preciso salientar que o conhecimento não podia se concentrar no topo, não podia ser hierarquizante. Assim como também não podia ser segmentado. Cada um detinha o conhecimento de sua própria função, mas também conhecia o funcionamento do todo, para que além de diminuir o risco de acidentes, pudesse garantir o sucesso do circo como espetáculo. Era preciso, ao mesmo tempo, ser portador de um conhecimento especializado – seu número, e generalizado – o circo. Era exigida qualificação “verdadeira” – ou seja, domínio de um ofício. Toda esta qualificação do artista circense era calcada em um longo tempo de aprendizagem intermediado pela “tradição”.

No Brasil, a partir de 1830, registra-se a presença de várias famílias circenses européias. A família de Barry, por parte do pai, chegou lá pelos idos de 1875, vindos da antiga Sérvia. Por parte de mãe, chegou à América Latina em 1909 e ao Brasil no ano seguinte, vindos de várias excursões pela Europa Ocidental, Oriental e Estados Unidos.

Ele e seus irmãos tornaram-se portadores de todos os saberes que discuto acima. Foram artistas completos, como dizemos entre os circenses, dominavam seu ofício e, como vocês verão, percorreram todos os caminhos exigidos dos circenses de uma qualificação verdadeira.

Com muito orgulho, apresento uma parte da vida de meu pai: Barry Charles Silva.

Terceira geração circense no Brasil nasceu em 09 de fevereiro de 1931, numa casa no Bairro do Belenzinho, em São Paulo. É filho de Esther Riego Silva e Benevenuto Silva, ambos nascidos em circo na Europa.

Através de álbum fotográfico de Esther, somos informados que por volta de 1904 ela e seus pais fizeram turnê pela Rússia e Estados Unidos. Em 1909, foram contratados pelo Circo Lowande, para se apresentarem na América Latina, e em 1910 chegam ao Brasil. Esther Riego tinha 10 anos de idade e, como bailarina clássica apresentava-se no espetáculo. Seu pai fazia o número conhecido como hércules e manipulava objetos de peso como bolas de canhões, por exemplo. Desde este período, a família Riego nunca mais deixou o Brasil, e trabalharam em diversos circos.

A família de Benevenuto Silva, segundo pode-se apreender pelos relatos orais, chegou ao Brasil em um navio que aportou em Salvador, vindo da Europa, particularmente da região da antiga Sérvia, sendo que a data provável seja em torno de 1870. Chegaram como saltimbancos, traziam apenas o corpo como instrumento de trabalho, entretanto o que se sabe é que trabalharam em diversos circos europeus. Pelos relatos, Basílio, pai de Benevenuto, tinha sete filhas mulheres e seu sobrenome era Wassilnovitch quando aportou por aqui.

Entretanto, quando foi ao cartório legalizar sua permanência no país, nem ele nem o escrivão sabiam escrever o nome. Foi então que, segundo o próprio Barry, seu avô sempre contava que o nome que ele mais ouvia era o de Joaquim da Silva Xavier (Tiradentes), o que o fez optar por algo “bem brasileiro”, passando a ser chamado de Pedro Basílio Silva. Não se sabe direito quem era a esposa dele na época da chegada, mas o fato é que se casa de novo, com a Vovó Maria, carioca, e com este novo matrimônio teve mais seis filhas: Nena, Gina, Noemia (Bola), Alzira (Zica), Conceição (São), Beneti e um único homem – Benevenuto Silva.

A família trabalhou algum tempo ainda como saltimbanco, e como haviam trazido um urso, eles se apresentavam nas praças públicas “dançando o urso”. Após isto começaram a construir seu próprio circo, bem como estabelecer diversas sociedades, entre as quais com as famílias François, Stankowich, Stevanovich, Giglio, Batista, Mitter, Riego, Pimenta, Faya, Galeguito, Pepino, Temperani e Ozon.

Benevenuto nasceu em 1900, no circo do pai, e é nesse mesmo circo que conheceu Esther Riego. Do casamento deles nasceram sete filhos: Yvone, Barry, Raquel, Marlene (morre ainda bebê), Edmundo, Milota e Wilma. Como a maioria dos circenses nascidos sob a lona, até pelo menos as décadas de 1960/70, Barry iniciou seu aprendizado para se tornar artista bem cedo, aos 4 anos de idade. Começou fazendo dandis como volante com o avô Dom Carlos Riego, pai da mãe Esther Riego, que o colocava na cabeça para se equilibrar. Ainda nessa fase, aprendeu sapateado com Al Dixon, junto às irmãs Raquel e Yvone. Depois começou a saltar, e com 5 ou 6 anos já dava rondada flip flap, enquanto a irmã Raquel fazia contorcionismo (deslocação). Na seqüência desses aprendizados montou um número de paradas e saltos, e se tornou campeão das disputadas de saltos nos charivaris entre os circos.

O circo de seus pais sempre foi circo-teatro. Seu pai era considerado um dos melhores atores da época, fazendo poucos números circenses e se dedicando apenas a adestrar os cavalos artistas; quase toda sua formação artística era voltada para a representação teatral. As sete irmãs de Benevenuto permaneceram no circo, mesmo depois de casadas, e eram excelentes artistas de números e de teatro também. Nesse período o circo se chamava Circo Teatro Variedades Irmãs Silva.

Quando Barry tinha 9 anos de idade, em 1940, Benevenuto Silva morre e Esther, com seis filhos e com pouca ajuda para administrar o circo, casou-se com o secretário do circo de nome Pires, com o qual teve uma filha, Eli Pires. Já com dez anos, o circense tinha ampliado significativamente os números que aprendera e se apresentava nos espetáculos: número de facas, chicote e laços, escada dupla, parada, saltos, dança, palhaço. Por causa do número de laços e chicotes, que entrava vestido de índio, o padrasto fez com que ele deixasse o cabelo crescer, e não cortou até os 18 anos.

Durante sua infância, e principalmente depois da morte do pai, teve vários mestres encarregados de ensinar as crianças do circo, independente se elas fossem filhos dos donos ou de artistas. Entre eles, um que Barry traz na memória como um mestre significativo para sua formação, foi o Sr. Marrocos, que o aperfeiçoou. Com 15 anos fazia facas, escada, saltos, charivari, passeio aéreo, globo da morte, parada nas cadeiras – em cima de uma banquilha; entrada de dandis cômico com Gasparino Silva e Antero François – Os Irmãos Calhordas; cesto do abismo; era clown de José Silva (casado com Gisa Temperani François) – o palhaço Girgilin. Além disse tudo fazia teatro, e entrava nos papéis de criança como na peça Os dois sargentos, Lágrimas de homem, O mundo não me quis, Amor e ódio, e chanchadas como O morto que não morreu, A menina virou.

O circo da família de Barry sempre teve animais, e depois do casamento da mãe, o padrasto ampliou o número de animais, sendo ele mesmo o domador. Entretanto, quando Pires viajava, quem o substituía era Barry, o que fez com que logo na sua adolescência também tivesse que saber lidar com adestramento, iniciando com as onças de nome Caratinga e Corumbá.

Por volta de 1947, com 16 anos, o circo se chamava Circo Zoológico Brasil, e eles estabeleceram relações próximas com a família Temperani. Leonardo Temperani, patriarca da família, comprou um globo da morte e, então, formaram um grupo: ele, Leonardo, entrava de moto e Barry, mais o irmão Edmundo e a irmã Raquel entravam de bicicletas.

Aos vinte anos, sua mãe e o padrasto se separaram. Após essa separação, Adalberto Garcia (casado com Lola Stevanowich) e Domingos Bocuti, o palhaço Pastajuta, ocuparam o papel de administradores do circo. Depois de algum tempo, estes dois saem do circo, e Barry tornou-se empresário geral do circo. Na realidade, o circo passou a ser administrado por Esther, Barry, Edmundo e Antenor Alves Ferreira, artista que já havia se tornado como uma espécie de sócio do circo (futuramente tornar-se-ia marido de Yvone). Após a morte de Esther, em 1967, consolidou-se a sociedade entre os três, formando a Empresa Bea Espetáculos.

Aos 21 anos de idade, na cidade de Getulina, interior de São Paulo, conheceu Eduvirges Poloni e, apenas três meses mais tarde, se casaram. Dona Dú, como é conhecida, entrou para o circo, mas não aprendeu a ser artista. Entretanto, aprendeu a fazer parte da produção do espetáculo.

Os outros nomes que o circo teve depois que os quatro passaram a administrar foram: Circo Norte-Africano, Circo PanAmericano, Circo Charles Barry. Em 1982 encerrou as atividades do circo, iniciado pelo seu avô no século XIX, passando a residir na cidade de Belo Horizonte (MG).

Erminia Silva

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