Juscelino Savala

“Ao mestre Juscelino, meus respeitos pelo que sabe de circo,pelo que viveu e pelo que vai ter oportunidade de transmitir aos alunos da Academia Piolin de Artes Circenses. “
Dirce Militello

Juscelino Savalla foi um dos grandes acróbatas de sua geração e apresentava-se como palhaço acrobático de nome Pouca Roupa. Mestre dos mestres de acrobacia, dentre os muitos que formou, orgulhava-se principalmente do seu sobrinho – George Savalla Gomes, o Carequinha – também palhaço acrobático, e de seu filho Gibi – que veio a falecer em decorrência de um salto mal sucedido na cama elástica.

Não tenho informações para compor sua biografia, mesmo que breve. Tudo que sei é o que ele nos contava durante os intervalos de suas aulas de acrobacia na Academia Piolin, onde fui aluna entre os anos de 1979 a 1982. Sei, por exemplo, que sua família era peruana e que ele nasceu no ano de 1907, no circo do seu pai que percorreu todo o Brasil. Sei também que quando se retirou do circo foi trabalhar como motorista de madame, que era tio da bela Zoraide, nossa professora de ginástica de solo, e marido da dona Perpétua. E que, em seu número de trampolim, pulava por cima de 12 cavalos
Mas compensando a ausência de dados concretos, eu me lembro com absoluta nitidez da sua pessoa. Ele era alto, magro, levemente calvo, olhos castanhos escuros, já azulados pela idade. Quando o conheci, ele já passara dos setenta, mas o porte ainda era de atleta. Só que para manter a espinha ereta, andava com as pernas duras, dobrando pouco os joelhos – o que dava a ele um charme todo especial. De poucas palavras, ele era radicalmente avesso às fofocas, partidos, julgamentos – ave rara no meio circense. E debaixo de suas asas, os rejeitados sempre encontravam abrigo. Ele não fazia distinção de cor, classe ou raça. E a combinação da sua forte personalidade com a arte que ele dominava magistralmente, a acrobacia, o tornava irresistível. Suas aulas eram disputadíssimas e todos os seus alunos o adoravam. Para nós ele era, como se fala hoje em dia, tudo de bom.

Na época da “Piolin”, morávamos em comunidade. Passávamos o dia inteiro no circo, e à noite só falávamos de circo, especialmente do Savala. Da sua elegância, da sua ironia, das suas considerações, do preto azulado do seu bigode. Ele gostava, mas fingia não gostar do nosso gosto por ele. Na época, fizemos até uma adaptação da música de Rita Lee em sua homenagem. E a cantávamos, apesar de seus protestos fingidos, em côro e a plenos pulmões:

– Nada melhor do que não fazer nada, só pra saltar e envergar com você.

No início da década de 1980, com o final da Academia Piolin, Breno Moroni e Malu Morenah, levaram o mestre para ministrar cursos de acrobacia no Circo Voador (Rio de Janeiro – RJ). Foi nesta ocasião que a Malu descobriu o segredo do preto azulado do seu bigode. Segredo que ela me confiou mas que eu não vou revelar. Nem adianta perguntar!

A última vez que estive com ele foi em 1982. Quatro anos depois, em 1986, já vivendo em Salvador e de passagem por São Paulo, fui visitá-lo no Guarujá, mas não o encontrei. Nem ele, nem dona Perpétua. Fiquei triste por não vê-los, mas contente por saber, por uma vizinha, que os dois, apesar dos males da idade, ele estavam bem.

Há alguns anos, uma notícia correu pelos bastidores dos circos brasileiros: Juscelino Savala, o mestre dos mestres de acrobacia do circo brasileiro, estava morto. Morre o homem fica a fama, como diz a canção popular. Juscelino Savala continua vivo na memória, músculos, ossos e coração dos que tiveram o privilégio de aprender a saltar, rolar e envergar com ele. Reverenciemos sua memória!

Abril de 2005

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