MUSEU DO HOLOCAUSTO DE CURITIBA (Prod.). Desrespeitável Público – O circo como possibilidade de resistência durante o Holocausto. Curitiba: Museu do Holocausto de Curitiba, 2022.
Carlos Reiss, coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba
Durante séculos, os circos europeus foram dirigidos por grupos minoritários, com artistas de todo o mundo e de inúmeras origens: ciganos de vários grupos, judeus, yeniches e pessoas com deficiências, por exemplo.
Como tal, a essência transnacional dos circos funcionava como uma porta estreita para a aceitação da alteridade, ou seja, perceber o outro como uma pessoa singular e subjetiva. Por outro lado, o nazismo via a redenção da Alemanha por meio da regeneração completa e purificação racial do que chamavam de “raça ariana”, cuja missão seria comandar a futura marcha da humanidade. Por isso, seria preciso estar livre da influência do que chamavam de “raças inferiores” e de grupos considerados inimigos ou degenerados.
A premissa desse material pedagógico é que haveria, em tese, um profundo choque de valores entre o circo tradicional e o regime nazista. Desde o início da pesquisa, fugindo de uma noção simplista de que a relação entre circo e resistência seja óbvia, destacamos a palavra possibilidade. A ideia central era mostrar como o circo e seu modo de vida (e não somente pessoas que por acaso fossem artistas circenses) abriram um potencial (que se concretizou em alguns casos) para promover uma contestação e resistência ao regime nazista.
Hipóteses a serem confirmadas sugeriam uma resposta à uniformidade étnica e cultural a partir do cosmopolitismo do circo, o papel social marginalizado dos artistas e o caráter itinerante como forma de estabelecer contatos. Tudo isso com o objetivo de expor não apenas a relação dúbia do nazismo com o circo, mas de compreender possíveis atos de resistência e estratégias de segurança conectados aos princípios e virtudes universais que a atividade circense carrega há gerações.
Quem nunca ouviu a famosa expressão “respeitável público”? “Desrespeitável público: o circo como possibilidade de resistência durante o Holocausto” é um material educativo transdisciplinar chancelado e concretizado após três longos anos de pesquisa interna e que buscou, em diversas fontes, atingir respostas
satisfatórias e criar possíveis conexões entre o circo e a resistência. Duas das inspirações foram os programas “Diverging Fates: Travelling Circus People in Europe under National Socialim”, fundado numa parceria entre a International Holocaust Remembrance Alliance (IHRA) e o Centro de Estudos Nórdicos da Universidade de Helsinki, e “Forgotten Cosmopolitans: Diverging Fates of Europe’s Circus People in the Wake of WWII”, também ligado à universidade finlandesa.