Um homem sem profissão sob as ordens de mamãe

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Autor: Oswald de Andrade
Editora: Globo
Ano: 2002
Edição: 2ª Edição
236 páginas

Onde encontrar: Estante VirtualLivraria Cultura
Sinopse: O livro procura reconstituir a história da família de Oswald, mas tem como foco principal a vida urbana que viria a transcorrer na cidade de São Paulo da belle époque, ou seja, os anos finais do século XIX e os agitados decênios entre 1900 e 1920. O livro acaba, assim, constituindo-se em um amplo painel da vida urbana daquela então pequenina São Paulo, o que interessará, além do público voltado para a literatura, os historiadores. São aventuras que se passam na rua Barão de Itapetininga, entre festas e saraus da alta classe, esticam-se na escola, e às vezes escapam às curtas viagens que o autor, um menino então, fazia com a família. Não passa em branco também a vida política da cidade, já que o pai de Oswald foi figura importante e ativa. Um pouco mais velho, vemos o escritor fazendo suas leituras preferidas (cujos nomes vão desde Castro Alves até Victor Hugo), lançando a revista ‘Pirralho’, iniciando uma movimentadíssima vida íntima e já participando da vida cultural brasileira.

 

Saiu na Imprensa:

Jornal do Brasil /   Data: 13/9/2003
Peripécias de um irrequieto

Manuscrito inédito e testemunho da última esposa lançam nova luz à agitada trajetória do modernista Oswald de Andrade. Marcos Antonio de Moraes ”Minha vida em cinco atos”, manuscrito inédito de Oswald de Andrade incorporado à nova edição do relato memorialístico Um homem sem profissão, conserva o tom espirituoso do modernista paulistano. Nesse escrito do princípio dos anos 40, Oswald coloca em pratos limpos alguns momentos de sua inquieta trajetória literária. Afinal, assevera o escritor, rebatendo as acusações que lhe faziam, não ”contratou” a vaia da Semana de Arte Moderna e não precisou pagar para proferir a conferência na Sorbonne em 1923. Contabiliza ainda em uma listagem, além dos quatro movimentos literários que ”iniciou”, as cinco ”brigas à portuguesa”, o ”duelo frustrado”, as 13 ”prisões”, os dois ”raptos” etc. Tudo somado – a atuação decisiva nos destinos da arte moderna brasileira e a folhetinesca biografia, na qual se pode, eventualmente, incluir os vários casamentos -, Oswald acaba oferecendo ao leitor um auto-retrato onde se misturam ”lucidez” e o ”velho coração intrépido”. As ações públicas singulares, em qualquer estrato da sociedade, perduram como anedota ou mito, mas é a escrita testemunhal que propicia a figuração desejada pelo próprio indivíduo. ”Sob as ordens de mamãe”, de 1954, a primeira parte de Um homem sem profissão, obra projetada em quatro tomos, circunscreve as peripécias familiares e ”sentimentais” de Oswald de Andrade até 1919. Nesta etapa, ele rememora, por exemplo, a história do periódico humorístico O Pirralho (1911) e três momentos de sua atribulada vida amorosa. A continuação, iluminando o tempo modernista, que deveria receber o sugestivo título ”O salão e a selva”, a vida só daria tempo ao escritor de nos legar algumas folhas, presentes também nesta edição supervisionada por Jorge Schwartz. A autobiografia interrompida não permite – como nos ensina Antonio Candido no ”Prefácio inútil” – detectar um ”sistema” coerentemente articulado, reflexo ideal do intricado pensamento crítico de Oswald. Efetivamente, o memorialista pantagruélico, construindo um texto fragmentário, sempre apaixonado e, às vezes, rebarbativo, une no mesmo tecido discursivo a vida e, naturalmente, a invenção. Na elaboração desse auto-retrato, contudo, sobressai-se o desejo de definição de algumas linhas de coerência. O intento de fixar uma existência crivada de enfrentamentos torna-se ostensivo no relato testemunhal. Oswald Andrade semeia expressões desse viver inconformista, tais como ”a guerra que foi a minha vida”, ”na luta feroz dos meus dias”, ”eu conheci as lutas e as tempestades”, ”minhas lutas infindas”. Em todo caso, esse auto-retrato inflamado poderá ser autenticado mais tarde, pelo menos no campo da arte e da política. A antropofagia como orientação artística/intelectual e o namoro (sempre instável) com o comunismo, por si, já colocam esse lídimo representante da burguesia na vanguarda do pensamento de seu tempo. Outras linhas acentuam a coerência forjada nas memórias. No campo da psicologia, o ”sentido edipiano” e o ”sentimento órfico” por ele tão referido mereciam desenvolvimento interpretativo mais consistente. Esse segundo aspecto, visto como a ”manutenção de um profundo sentimento religioso” em sua vida, leva Oswald a refletir sobre o totem e o tabu e o mal-estar na civilização, na esteira de Freud, quando rememora aflições vividas. Um retrato humano, moldado pela ”literatura pessoal”, nunca se completa. Outros detalhes se agregam ao longo do tempo, por meio de testemunhos que fornecem tintas insuspeitas, definindo melhor linhas solapadas pelas conveniências. O bonito livro Maria Antonieta D’Alkmin e Oswald de Andrade: Marco Zero, organizado por Marília de Andrade, filha do escritor, e Ésio Macedo Ribeiro, cumpre essa expectativa de trazer novos elementos biográficos de Oswald com a divulgação do testemunho inacabado de sua última esposa, além de um pequeno conjunto de cartas do casal e dedicatórias em livros. Documentos que tentam suprir o ”Para lá do trapézio sem rede”, parte final do projeto memorialístico de Oswald, em que ele se propôs, sem realizar, a continuação do relato de sua vida ”desde o encontro de Maria Antonieta d’Alkmin até hoje”, como contou à revista Manchete em abril de 1954, poucos meses antes de morrer. Quase 30 anos mais nova que Oswald, Maria Antonieta fora convidada para secretariá-lo na redação dos romances da série Marco Zero; torna-se, depois, ao longo de 12 anos, imprescindível a ele, cumprindo o papel de companheira e esposa. Zelosa guardiã, também significou para o escritor o ”reencontro materno”, se quisermos recuperar o oferecimento impresso no livro Um homem sem profissão. Essa estação de encontro e de afinidades deu origem em 1961 às ”Evocações (Oswald de Andrade em minha vida)”, lançadas em um caderno escolar. Salvo engano, o comovente depoimento dessa mulher que recebeu como pedido de casamento um dos mais belos poemas de amor de nossa literatura, ”Cântico dos cânticos para flauta e violão”, parece resultar de uma dolorida tentativa de encerramento de um processo de luto. A proposta de trabalho, contudo, demarca o ”esforço […]de dar um depoimento fiel do lado pessoal e doméstico de Oswald de Andrade para que você complete seu retrato (observar ao leitor não os possíveis enganos de detalhes mas a verdade do conjunto”, confirmado pela nota de rodapé no ”Prefácio” de Antonieta. Mostra-nos, assim, o marido e o pai devotado; defende atitudes do intelectual que considerava um incompreendido. A correspondência deslinda o modo de trabalho do escritor, nas menções ao trajeto da escritura de A revolução melancólica (1943). Esse dado tão significativo foi, contudo, pouco focalizado no volume. Apenas o ensaio de Vera M. Chalmers, inserido no apêndice da obra, sugere a necessidade de aprofundar esse aspecto. Falta, pois, esse confronto entre a matéria testemunhal e o romance nesta ”Homenagem aos 60 anos de Marco Zero”. Livros como Maria Antonieta D’Alkmin e Oswald de Andrade: Marco Zero, fundamentados em valiosos fragmentos memorialísticos e em outros textos de maior ou menor interesse, não deixam de suscitar alguma consideração sobre as relações entre documentos testemunhais e estudos literários. Oswald de Andrade declara, nas primeira páginas de Um homem sem profissão, ter iniciado suas ”confissões” por instância de Antonio Candido, que o convencera de que ”uma literatura só adquire maioridade com memórias, cartas e documentos pessoais”. Hoje, felizmente, textos dessa qualidade parecem cair no gosto de estudiosos de várias áreas, assim como do público leitor mais amplo, este último atraído talvez pelo desejo de aproximação (voyeurística?) da experiência alheia ou pelo componente de fabulação desses registros pejados de substância humana. Ao crítico e ao historiador da literatura cabe enfrentar o ilusionismo da verdade pessoal, percebendo, nas cartas, por exemplo, as armadilhas psicobiográficas que esse discurso esconde, já que ele se constrói como encenação em face de alguém determinado. Ou, nas memórias, detectar a força das autofigurações. Será preciso ainda o esforço para combater o fetichismo que mitifica o documento pessoal porque não o problematiza. Dessa forma, a mera contemplação apaixonada anula a força de um discurso capaz de trazer à luz, entre outras coisas, a complexa maquinaria da produção artística (esfacelando, assim, a idéia romantizada da ”inspiração”) e as linhas mestras de um pensamento intelectual/artístico. Em face da valorização do discurso testemunhal que, por tanto tempo, ficou colocado em segundo plano no campo do trabalho hermenêutico, resta à nossa geração de estudiosos da literatura frui-lo corretamente, utilizando de forma crítica e responsável essa documentação de inegável valor.

Correio do Povo / Data: 27/1/2003
Oswald de Andrade em textos inéditos

A editora Globo está relançando a obra Um Homem sem Profissão , de Oswald de Andrade, com textos inéditos. O livro reconstitui a história da família de Oswald e destaca a vida cultural e política de São Paulo da ‘belle époque’ no final do século XIX e no período entre 1900 e 1920. A obra foi lançada pouco antes de Oswald falecer, em 1954, atendendo a um pedido do crítico e amigo Antônio Candido, que lhe aconselhara a escrever suas memórias.
Um Homem sem Profissão é o único livro de memórias de Oswald de Andrade, que aborda sua vida desde a infância, adolescência, primeiros anos de juventude e formação intelectual. A reedição tem como foco principal a vida urbana na cidade de São Paulo, nos anos finais do século XIX e as aventuras que se passam na rua Barão de Itapetininga, entre festas e saraus da alta classe, esticam-se na escola, e chegam às curtas viagens que o autor, um menino então, fazia com os seus parentes. No final do livro, está o convívio de Oswald de Andrade com personalidades como Coelho Neto, Olavo Bilac, Mário de Andrade e outras que, com ele, seriam mais personagens que coadjuvantes da história, através do modernismo.

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