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O circo como bode expiatório para o debate dos animais

A discussão acerca dos animais em circo é quase tão feroz quanto julgam ser seus personagens. Já são quase 30 cidades em todo o país onde existe uma lei que proíbe a entrada de circos que tenham animais, sendo que no Rio de Janeiro a lei é estadual. A “itinerância” dos espetáculos fica comprometida, e os circenses reclamam de um lado. De outro lado, o poder público diz que se compromete com a defesa dos animais e barra a entrada dos circos.
O projeto de lei que tramita no senado acerca do assunto recebeu, dia quatro de abril, parecer favorável na Comissão de Educação. O Projeto de Lei 397/03, de autoria do senador Álvaro Dias, dispõe sobre o registro dos circos perante o Ministério da Cultura e sobre as medidas de proteção aos animais circenses, com o intuito de regulamentar a exibição dos mesmos no país.
O principal acidente com animais em circo no Brasil, que acendeu o debate acerca da proibição, foi com o já extinto circo Vostok, no ano de 2000, quando um garoto de 6 anos foi morto por leões que estavam dentro da jaula. Esse caso faz parte de uma história de 4 incidentes envolvendo animais, em um período de 7 anos no Brasil.
Classe Circense
De acordo com o dono do Circo Di Napoli, Beto Pinheiro, esta medida é prejudicial, pois compromete a identidade cultural dos números que compõem o espetáculo. “Quando colocamos cartazes que não tinha animais por motivo de força maior, as pessoas desciam a escada e iam embora. Elas queriam ver os animais. Até meu advogado testemunhou isso. De fato, até 70% do público quer ver os animais”, conta.
Beto, que trabalha em circo há mais de 30 anos, ainda contradiz um dos principais argumentos da lei, que diz respeito ao maltrato aos animais durante os treinamento e espetáculos: “como você adquiri um elefante de 100 mil dólares para maltratar? Uma pelo amor afetivo pelo animal e outra pelo custo. Você vai ao melhor veterinário, procura os melhores profissionais. Não bate com o que as ongs falam”.
Antes da lei não tinha dificuldades, conforme conta o empresário. “Tudo começou com a tragédia do Vostok, mas o que aconteceu foi um acidente. O animal não saiu da jaula. E de lá para cá teve uma perseguição com o circo. Falavam para fechar circo, então vamos fechar shopping, fechar fábrica de carro, avião. Baseado em acidente não se pode fazer nada”. Beto Pinheiro acredita que faltou, na aprovação da lei, debate com a classe circense e que falta argumento para a proibição. “Tem que ter argumento para proibir. Não houve discussão. Hoje todo mundo é contra, mas tem que ser conversado, como bom senso. Se for para tirar os mais perigosos, como os tigres, vamos conversar, usar o bom senso, não fazer esse absurdo. Na minha opinião, político que pensa dessa maneira não tem cultura nenhuma”, finaliza.
Poder público
A cidade de Campinas, uma das mais importantes do Estado de São Paulo, proibiu, em 2003, o uso de animais de qualquer tipo e origem em Circos e Espetáculos similares na cidade. O vereador Paulo Búfalo, autor da lei, conta que o regulamento surgiu a partir de um debate com entidades defensoras dos animais. “Tudo começou com situações que ocorreram aqui que envolviam abandono de animais, a ponto de chegar a uma situação na qual um circo de médio porte abandonou três leões e um deles chegou a óbito, isso acabou fazendo com que o processo de elaboração da lei fosse acelerado”, conta.
Esse debate, de acordo com o vereador, ocorria em outras cidades e esse acontecimento gerou uma maior atenção do público. “Nós optamos então por apresentar uma legislação que entendemos que foi radical, no sentido de trabalhar a raiz do problema. Reconhecemos O valor humano do espaço do circo, a vida compartilhada, trabalho valoroso, no entanto o que é uma restrição, a partir da defesa do animal, tirar o animal do seu habitat natural já é uma forma de violentar o animal, então chegamos a apresentar e enfrentar esse debate”.
Búfalo avalia que o debate é necessário, e conta que houve problemas na discussão com a classe circense. “Quando buscamos caminhar, na verdade não houve espaço, não teve alternativa de debate, ou era retirada a lei ou não tinha conversa. A principio até tentou conversar, citou cidades que tinham amenizado a lei, mas depois não houve meio termo”.
Soluções
Um dos grandes problemas enfrentados pelos circenses foi se desfazerem dos animais, pois, segundo afirma Beto Pinheiro, quem está preparado para cuidar dos bichos é o circo. “Animal de selva é uma coisa e de circo é outra coisa completamente diferente. A maioria nasceu no cativeiro, não tem a ver com habitat. Se soltar na selva não vive. O cuidado está aqui e zoológico é uma prisão perpétua”, completa.
Muitas cidades ainda não estão preparadas para abrigar os animais, e não é apresentada solução para o destino dos mesmos. O vereador Paulo Búfalo concorda que este ainda é um nó da lei, e que é necessário expandir o debate. “Não vou dizer que os equipamentos públicos ou privados que cuidam de animais são adequados para esse cuidado. É claro que se busca a melhor situação possível, mas sem sombra de dúvidas dispomos de espaços reduzidíssimos para animais. Os poderes públicos também não têm oferecido alternativa para esse abrigamento e a legislação não versa sobre isso”.
Fica claro que é preciso levantar um debate eficaz, que considere as opiniões da classe circense e do poder público, a fim de somar para um resultado adequado. Um resultado que não vá contra a integridade física de um animal, por exemplo, mas que venha a regulamentar toda e qualquer ação a respeito, e não só para o circo. Essa questão reacende a necessidade de se pensar políticas públicas adequadas para a classe circense, que contemple suas demandas e suas obrigações.
Mas, não devemos tapar o sol com a peneira. Há a falta efetiva de uma política pública no que se refere ao cuidado com os animais, particularmente olhando para o próprio descuido dos serviços públicos com isso. Tomar o circo como bode expiatório para essa discussão, mais esconde do que revela o problema social em relação a elas.


Veja mais textos sobre o tema:

Associação pede revisão de lei contra animais de circo

Manifesto Conated contra a proibição de animais em circo

Pelo bom senso, regulamentação e respeito aos artistas.

Projeto de lei do senado nº 397, de 2003


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