Sob(re) a lona: o circo como patrimônio cultural material? (pdf)

Aguiar, Ana Rosa Camillo – Sob(re) a lona: o circo como patrimônio cultural material?. Belo Horizonte (MG): Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, 2018.

RESUMO:
Este estudo teve por objetivo explicitar discursos sobre o objeto circo no âmbito do debate patrimonial. Nos últimos anos, ocorreram premiações a iniciativas de preservação da memória circense e a enunciação de demanda por reconhecimento do circo como patrimônio cultural brasileiro foi explicitada por circenses através de suas organizações representativas e em espaços de participação em políticas públicas culturais. O debate sobre a inscrição de bens culturais nos livros de registro do patrimônio caracteriza o reconhecimento da importância de um bem cultural na história de uma nação e a sua valorização por meio de iniciativas que visem sua continuidade. Os circos no Brasil têm vivenciado mudanças em toda a sua história e o “circo” como objeto vivo e presente na cultura nacional tem passado por ressignificações. Buscando o fala-se de circo em uma época, estudamos especificamente os discursos presentes no corpus documental reunido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) , até a data de novembro de 2016, em decorrência da solicitação formal de registro do circo “de tradição familiar” como patrimônio imaterial. Nesse corpus documental, nos interessaram os enunciados que caracterizam disputas, embates de poderes e saberes, apontados por Foucault (2001; 2008 a; 1985; 2006; 1974) na constituição do objeto discursivo circo. O ensejo patrimonial traz para a visibilidade o circo “de tradição familiar”, mostrando como este figura em diferentes narrativas e possibilitando a construção de uma nova narrativa como objeto patrimonial. A análise arqueogenealógica de Foucault foi utilizada como suporte teórico e metodológico do trabalho, possibilitando a reflexão sobre como o objeto circo de tradição familiar foi objeto de conhecimento em diferentes momentos históricos; o por que das enunciações presentes nos documentos; que instâncias de poder e saber sustentavam os enunciados; quais as funções enunciativas que respondiam; quais efeitos de verdade, de poder exerceram sobre este objeto. Observamos que os enunciados sobre cultura popular em diferentes momentos históricos imprimiram um discurso que reporta a singularidade e pureza da produção artístico-cultural do circo ao passado e fornece ao popular do circo da atualidade atributos de fenômeno de massa, inespecífico e inautêntico. Observamos como novos discursos sobre a ética para com animais e de valorização de um fazer circo contemporâneo produziram como verdades a concepção de que o modelo estético, a forma de organização econômica e a capacidade de inserção no mercado de bens culturais dos circos “contemporâneos” são resultantes de uma “evolução” nas formas de produção circense. Por fim, explicitamos o que orienta a demanda patrimonial realizada e as limitações na articulação frente à política patrimonial. Concluímos, que há necessidade de construção de novas narrativas no debate patrimonial as quais englobem manifestações da cultura popular híbridas, dinâmicas, mas marginalizadas e atribuam aos detentores o lugar de sujeitos de sua enunciação como objetos patrimoniais.
Palavras-chave: Circo, Foucault, Discursos, Patrimônio.

ABSTRACT: The purpose of this study was to provide evidence of the discourses about the circus as an object, in the context of the debate on heritage. Circuses in Brazil have experienced changes throughout history, and the circus as a living, present object in the national culture has undergone resignification. By searching for what is said about circuses at a given time, we specifically studied the discourses in a documentary corpus gathered by the National Historical and Artistic Heritage Institute (IPHAN) until November, 2016, as the result of a formal request for enlisting the “family tradition” circus as immaterial heritage. In this documentary corpus, we were interested in the statements that characterize disputes and clashes involving power and knowledge, as pointed out by Foucault (2001; 2008 a; 1985; 2006; 1974) in the constitution of the circus as a discursive object. The heritage element brings the family circus to visibility, showing how it is part of different narratives and enabling the construction of a new narrative about the circus as a heritage object. Foucault’s archaeo-genealogical analysis was used as the theoretical and methodological framework, allowing us to ponder about how the family circus was an object of knowledge in different historical moments; the reasons behind the discourses present in the documents; which instances of power and knowledge have supported the statements; which enunciative functions such discourses have answered; and what effects of truth and power they have exerted on the object. We realized that statements about popular culture at different historical moments have produced discourses that refer the singularity and purity of the cultural-artistic production of the circus to the past and provide the popular element of the current circus with unspecific and inauthentic attributes of a mass phenomenon. We observed how discourses on animal ethics and on the value of a contemporary circus “doing” regarded as truth the idea that the aesthetic model, the form of economic organization and the market insertion of cultural goods by “contemporary” circuses have derived from the “evolution” of the circus production forms. Finally, we explain what has guided the realized heritage demand and the limitations in its articulation in view of the heritage policy. In the final section, we address the need to construct new narratives in the heritage debate that may encompass hybrid, dynamic, but marginalized manifestations of popular culture, and attribute to the circus knowledge owners, a place of subjects of their enunciation as heritage objects.

Keywords: Circus; Foucault; discourses; Cultural Heritage.

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