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Uma arte permanente

Fonte: Correio Popular
13/09/2009

Assim como o circo, que convida as pessoas para comparecerem ao espetáculo, Jaqueline Cícera de Souza teve de agir quando seu então marido pediu que eles parassem de viajar com o circo para criar raízes em algum lugar depois de quatro anos na estrada. Ela, nascida sob a lona do circo do pai, disse que só o faria se pudesse passar adiante a arte circense. Logo descobriu o Teatro Padre Anchieta, localizado no bairro homônimo, onde viu um espaço amplo no qual poderia dar aulas. Mas faltavam alunos. “Eu ia a um monte de festas de crianças, me apresentava sozinha e aproveitava para convidá-las a fazer aulas. Num dia vinha um, no outro vinham três, e assim foi crescendo, até que hoje não tem mais vagas”, lembra a professora durante uma aula, no mesmo local, na tarde de quarta-feira, rodeada de alunos iniciantes.

Neste semestre, a oficina é realizada com o apoio da verba do ponto de cultura da Associação das Famílias Circenses (Asfaci). Mais de 30 crianças oriundas de cidades vizinhas participam da oficina de malabares, contorcionismo e acrobacia uma vez por semana e outros 15 já formam uma trupe que se apresenta regularmente em espetáculos.

Para a criançada, a aula mais parece uma grande brincadeira, mas quando os alunos falam sobre as atividades, percebe-se que a oficina é levada muito a sério. “Eu gostei muito, principalmente das aulas de contorcionismo. Quando vou ao circo sempre reparo na contorcinista. Fiquei até mais magra depois que comecei. Não dá medo de fazer os exercícios. É legal!”, diz Isabeli Lemos, de 11 anos.

Uma das primeiras lições que as crianças aprendem é que circo depende de um trabalho em equipe, mesmo que o número a ser apresentado seja individual. “O legal é que há muita interação. Estou preparando um número com um amigo meu e confio totalmente nele”, explica Yasmin de Souza Koppe, artista de circo, filha de Jaqueline, que ajuda a mãe a ministrar as oficinas.

Como toda a família é do circo, a menina costuma passar férias em lonas de parentes. Na última foi a Goiás, no circo da tia, onde fez números de trapézio, chicote e até palhaçadas, forte do irmão Kelvyn, que, ainda pequeno, se intitulou palhaço Bombrilzinho, diminutivo do nome artístico do avô, de quem puxou o talento de fazer rir.

Para a doutora em História Ermínia da Silva, confiar no outro no trabalho em equipe é uma das lições mais importantes que a arte circense pode ensinar. “A gente diz que quem pratica a arte circense é um aprendiz permanente. Isso porque cada vez se aprende algo novo sempre. No começo é um salto, depois uma pirâmide e assim vai. A prática utiliza desafio e potência e não se faz nada sozinho. Tudo é coletivo. Mesmo que se esteja sozinho no picadeiro, há uma equipe dando suporte”, explica a autora do livro Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a Teatralidade Circense no Brasil, nascida em circo, mas que optou por ser uma estudiosa do assunto.

Além de ser associada da entidade nacional, Ermínia ministra oficinas pelo ponto de cultura da Asfaci. No ano passado, o tema foi a História do Circo, oficina na qual ela elucidou para muitos artistas circenses os papéis que desempenham no circo contemporâneo. “Apesar de ter nascido em circo, aprendi e entendi muito deste mundo depois de ter freqüentado a oficina da Ermínia e tento passar um pouco do que aprendi para meus alunos”, confessa Jaqueline, que descobriu que a mistura de teatro, dança, mímica, acrobacias não é uma invenção recente, e sim uma ideia executada desde o final do século 18.

Driely Cristina D’Ávila que o diga. Há apenas três anos frequentando a oficina, já sabe fazer de tudo: acrobacias, contorcionismo, palhaçadas, paradas etc.

“Sempre quis fazer isso. Quando soube que tinha essa oficina, logo quis participar e hoje já sei fazer muita coisa. Também melhorei na escola, em casa, com as pessoas… mudei muito”, contabiliza a jovem de 16 anos.

Grupo leva dança para a Nicarágua

Os membros do grupo Urucungos, Puítas e Quijengue, que é um dos 21 pontos de cultura da cidade, estão radiantes. Eles chegaram na última sexta-feira da Nicarágua, onde participaram de diversos eventos das comemorações da independência brasileira naquele país. Eles estiveram nas cidades de Manágua e Leon, onde apresentaram o espetáculo Cirandas da Minha Terra, com danças circulares afro brasileiras como o Coco de Alagoas, Samba Lenço, Samba de Bumbo Campineiro, Sambas de Roda, Jongos e Cirandas. O grupo também ministrou palestras e oficinas culturais. (PR/AAN)

SAIBA MAIS

Bem ao contrário do que muita gente pensa, o circo não está desaparecendo. Ele só mudou de lugar. “Cada vez mais a arte circense está sendo disseminada em projetos públicos de escolas de circo, academias de ginástica, cursos de circo na faculdade e teses de mestrado e doutorado”, enumera Ermínia Silva. A doutora em História e autora de livro sobre circo diz que o número de circos pelo mundo diminuiu, mas garante que a arte está longe de acabar. “O circo deixou de ser só a lona. Aliás, a lona é algo recente, que surgiu por volta de 1940. O circo existe desde 1460, quando artistas se apresentavam em lugares fixos. A linguagem circense é muito diferente hoje do que há 50 anos. A produção da linguagem circense ampliou muito.”

Joelma Costa, coordenadora da Asfaci, uma instituição nacional, é uma das responsáveis pela ampliação desta linguagem. Depois que o núcleo de Campinas se tornou ponto de cultura, a instituição teve a oportunidade de contratar profissionais altamente qualificados para ensinar sobre diversos temas. Neste ano, haverá uma oficina de catalogação e memória, para que profissionais dos circos saibam como armazenar cartazes, alvarás e documentos que contam a história do circo. “Além de poder contratar profissionais qualificados para falar sobre o circo, pudemos ampliar a rede de contato e parceiros de trabalho”, garante a coordenadora.

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