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Vida no circo é razão de afeto e encantamento para circenses

Texto de Bruna Romão-  bruna.romao.silva@usp.br – publicado em 18/outubro/2013 na AGÊNCIA USP DE NOTÍCIAS, em que a autora apresenta as análises feitas pela psicóloga Suara Bastos em sua dissertação de mestrado – suara@usp.br.

O circense possui sentimentos de grande afeto e encantamento com a vida nos picadeiros, preocupando-se com a tradição e o futuro do circo. Em mestrado do Instituto de Psicologia (IP) da USP, a psicóloga Suara Bastos investigou o cotidiano do circo aos olhos desses artistas, buscando compreender os significados que atribuem ao seu dia-a-dia. O interesse pelo tema surgiu de sua experiência pessoal como artista circense. “Durante quatro anos, trabalhei e morei em três diferentes circos no México. Participei de todo o cotidiano. Foi uma experiência marcante e significativa”, conta.

A psicóloga conversou, em São Paulo, com seis artistas (quatro homens e duas mulheres) de um circo tradicional do Brasil. Ao fim da entrevista, ela entregava uma câmera e pedia que os participantes fotografassem alguma coisa ou lugar do circo que fosse importante para eles. “O uso do recurso fotográfico auxiliou nas análises das entrevistas, muitas vezes dizendo aspectos significativos da experiência pessoal, que não eram ditas em palavras”, explica.

A vida sob a lona
“O circense de maneira geral passa a vida toda no circo”, diz Suara. Das seis pessoas entrevistadas, que tinham de 36 a 71 anos, quatro nasceram no circo, um o acompanha há 17 anos e outro há mais de 40. “As pessoas ficam muito tempo nesse universo porque o circo tem, de alguma maneira, algo que te toca muito”, comenta Suara. E continua: “Não só esses artistas, como também outros circenses que tenho contato, relatam que o circo tem algo que cativa, que faz ficar ali”.

Suara Bastos conta que, embora alguns relatem cansaço em algum momento com relação às viagens, a vida itinerante é extremamente atrativa para o circense. “Eles gostam muito do fato de estarem viajando, de não terem, como dizem, ‘a mesma paisagem todos os dias’”, relata.

Além da itinerância, a maior convivência com a família também foi apontada como atrativo da vida circense. “Eles estão o dia todo com os filhos. Acompanham o crescimento das crianças, o envelhecimento dos pais”, diz a psicóloga. A vida do artista é, de certa forma, diluída no dia a dia do circo. “Toda a vida dessas pessoas, as interações pessoais, sociais e familiares, tudo acontece embaixo da lona, como festas, e em alguns casos até casamentos”, conta. Ela também exemplifica: “O artista sabe que vai entrar no picadeiro daqui a alguns minutos, e enquanto isso ele está em seu trailer preparando o jantar. E depois que se apresenta lindamente, retorna ao que estava fazendo”.

De acordo com a psicóloga, alguns circenses dizem que o público de fora não sabe ou tem uma ideia distorcida de como é a vida no circo. “Parte deles sente algum estranhamento por parte das pessoas de fora”, comenta Suara. “Os circenses mantêm intenso contato entre si, devido a constante convivência, mas também têm vínculos de amizade com pessoas da cidade”.

A tradição e o futuro do circo
Entre os destaques do estudo, está a insegurança e preocupação com o futuro e tradição do circo. “A questão da retirada dos animais foi algo muito difícil que os entrevistados ainda estão tentando elaborar e construir um novo caminho, uma vez que os animais sempre fizeram parte da história do circo”, explica a pesquisadora.

Segundo Suara, os artistas relatam que, com a proibição da apresentação de animais no picadeiro, houve certa queda na bilheteria. “Eles entendem que muitas pessoas iam ao circo para ver os animais. E comentam que, em alguns casos, essa era a primeira vez que algumas crianças podiam ter contato com diferentes animais”. Atualmente, nove estados brasileiros, entre eles São Paulo, não permitem a presença de animais em circos. Todavia, um projeto de lei já tramita na Câmara dos Deputados para estender a proibição a nível federal.

Entre os desafios enfrentados pelo circo no Brasil, os artistas também relatam a falta de apoio político, concorrência com circos internacionais, falta de terrenos centrais e bem localizados para que possam se instalar e o crescente aumento de outras formas de entretenimento que gradativamente têm afastado o público do picadeiro.

Suara ainda identificou outras preocupações que emergiram nas narrativas como por exemplo, as relacionadas ao envelhecimento do artista, aposentadoria, problemas de saúde, dificuldade para acompanhamento médico prolongado e educação formal das crianças, dado os constantes deslocamentos, assim como questões relacionadas às relações interpessoais entre outras. A psicóloga pretende investigar como o circense elabora estas experiências de vida no doutorado que acaba de iniciar, também no IP.

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